quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O tremoço, este nosso amigo

Há poucas semanas andavamos em arrumações e descobrimos um saco de tremoços esquecido numa prateleira, já com 3 anos e que ainda por cima esteve em tempos numa arca frigorífica para os defender do bicho. Tudo indicava que teriam perdido a sua capacidade germinativa e por isso fizemos um teste e embrulhámos alguns em algodão molhado como fazíamos na escola. Passados 3 dias tinham este belo aspecto e por isso resolvemos lançá-los à terra para obtermos alguma produção.



Dissemos lançar à terra e não semear, porque na verdade o tremoço não gosta de ser enterrado. Se o fizermos, ele torna à superfície, teimosamente, devido à sua maneira de ser que exige ser ele a escolher a forma de se agarrar à terra. Por isso a primeira fase foi esta:



Como se seguiram dias de chuva persistente, num instante os tremoços perderam a sua secura, incharam e escolheram a melhor forma para se segurarem à terra



Poucos dias depois já estavam mais crescidos e incomodados com o chapéu protector ...



... e num instante começaram a livrar-se deles mostrando com alguma cautela a plantinha que vinha a emergir.




Agora vamos ter que esperar uns meses para criarem vagem e depois o amadurecimento da semente para ser colhida, malhada, escolhida e ensacada.
O tremoço pertence à família Fabaceae e à espécie Lupinus
O seu nome teve origem na palavra árabe al-turmus. Na vizinha Espanha é conhecido por altramuz, tramúz, entremozo e chocho.
As primeiras referências a esta planta surgem no Egipto há cerca de 3.000 anos.
O tremoço é utilizado na alimentação humana e na dos animais, no enriquecimento dos solos, na indústria farmacêutica e na fitoremediação
Sempre pensámos que os tremoços eram péssimos para a saúde devido aos resquícios na memória de uma lenda repetidamente ouvida nos nossos tempos de criança em que teriam sido amaldiçoados pela Nossa Senhora.
Fugia a Sagrada Família no seu burrico quando, ao passarem por um campo de tremoceiros já maduros, estes chocalharam ao serem pisados e empurrados pelas patas do animal, denunciando o local de fuga aos seus perseguidores. A santa não lhes perdoou a fraqueza e lançou uma maldição que consistia em nunca matarem a fome a quem os comesse, o que se tornou num bem para as cervejarias e tascas que sabedoras desse castigo continuam a servir pires com tremoços que não matam a fome a ninguém e bem salgadinhos ainda têm a virtude de provocar mais sede e assim aumentarem o consumo das bebidas.
Algumas pessoas não sabem que os tremoços que comemos, foram primeiramente cozidos e depois cobertos de água mudada com frequência por diversos dias até perderem o seu amargo original. Se não houver este procedimento, são completamente intragáveis e altamente tóxicos.
Esse amargor é devido à presença de vários alcalóides como a anagirina (usada como cardiotónica e teratogénica), a esparteína (usado como ocitócico e antiarrítmico) a lupanina, (influenciando os centros respiratórios e vasomotores), a luteona e a wighteona. A intoxicação identifica-se por náuseas, vómitos, tonturas, dores abdominais, mucosas secas, hipotensão, retenção urinária, taquicardia.
Esta toxicidade desaparece após a fervura e o demolhar por vários dias, tornando o tremoço doce e um alimento de eleição beneficiando as pessoas e animais que se alimentem dele.
O tremoço é um excelente adubo em verde quando enterrado nas terras porque tem a faculdade de fixar o nitrogénio do ar, absolutamente necessário para o crescimento de novas plantas o que o torna também responsável pelo aparecimento de novos ecossistemas. As suas raízes conseguem descompactar e reduzir a erosão dos solos, ajudando à infiltração de água. Óptimo para melhorar a estrutura física dos solos. Resistente às geadas, gosta de Invernos húmidos e Verões secos
O tremoço é uma leguminosa tal como o feijão, a fava, o chícharo, o grão de bico, a ervilha, a lentilha, as giestas, os tojos, as olaias, etc
Tem o dobro das proteínas do que a maioria de outras leguminosas. É rico em ferro, fósforo, vitamina E, vitaminas do complexo B, biotina e ácido pantoténico
Estudos feitos na União Europeia, comprovam a sua acção no controlo dos níveis de açúcar no sangue, na redução do apetite, na diminuição da quantidade de colesterol no sangue, nos efeitos sobre a obstipação intestinal e por último ajudando a evitar o aumento da obesidade.
Costumam também ser referidas as suas propriedades emolientes, diuréticas e cicatrizantes, o combate a parasitas intestinais e também o seu estímulo na renovação das células favorecendo a regeneração da pele.
Em França existe um produto comercializado para o fortalecimento capilar utilizando peptídeos, vitaminas e oligoelementos retirados ao tremoceiro.
Há uma série de tratamentos caseiros que aconselham a ingestão de um ou mais tremoços amargos com a água de demolhar (ambos tóxicos) todas as manhãs em jejum para baixar o colesterol, os valores glicémicos ou as dores artríticas, mas nem nos arriscamos a divulgar aqui por ignorarmos o seu impacto nos organismos de cada um.
Depois de várias pesquisas, não conseguimos encontrar muitas receitas utilizando os tremoços. Apenas um rizotto que passamos para aqui:
Derreta manteiga e junte cebola e bacon, até ficarem fritos sem queimar. Junte depois os tremoços, o arroz e refogue bem. Acrescente um pouco de vinho e deixe evaporar. Deite um cubo de caldo de carne e a água suficiente para cozinhar o arroz. Quando estiver cozido, junte um pouco de nata e queijo ralado. Deixe arrefecer um pouco e acrescente um ovo apenas desmanchado.
E uma outra de bolinhos utilizando farinha de tremoço que desconhecemos se é comercializada em Portugal:
Misture muito bem 50 gr de açúcar com 90 gr de manteiga. Junte 100 gr de farinha de tremoço e 50 gr de amêndoas bem trituradas. Mexa energicamente até formar uma pasta homogénea. Faça pequenas bolinhas e coloque em tabuleiro untado. Leve ao forno por 20 a 30 minutos
Também vimos sugestões para introduzir tremoços nas saladas de alface, tomate, agrião ou misturados nas verduras que acompanham o bacalhau, o salmão fumado, com alguns cozidos de carne ou a acompanhar pratos de queijo.
Não queríamos finalizar este texto sem nos referirmos ao grupo de investigadores pertencente ao departamento de Botânica e Engenharia Biológica do Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa que conseguiu criar um fungicida natural de toxicidade nula a partir de uma proteína do tremoço germinado, designada de BLAD (Banda de Lupinus Alpus Doce).
O produto denominado Problad além de uma forte actividade fungicida tem um poderoso efeito bioestimulante sobre as plantas. Pode ser utilizado na vinha, nos relvados desportivos, nas culturas de estufa propícias à proliferação de fungos, na agricultura biológica em geral.
Como pode ser ingerido pelo homem, evita o cumprimento do intervalo de segurança exigido por lei no uso de pesticidas químicos. É um produto completamente inovador a nível internacional e está a ser objecto de homologação nos Estados Unidos e na União Europeia, esperando-se que ainda este ano comece a ser lançado no mercado mundial.

Ana Ramon 

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