30 de janeiro de 2024
Foto: Ilustração: Mohammad Sabaaneh
Leslie Díaz Monserrat (Vovó).— À distância, parece um pequeno ponto. Não deve ultrapassar um metro de altura. Ele está vestindo um casaco grosso e um chapéu, e dá para perceber que ele anda desajeitado. Vovó carrega todo o cansaço do mundo nos ombros e o pega pela mão. Imagino a angústia de viajar de trem rumo a um futuro incerto, amontoados uns sobre os outros, como se fosse um rebanho de gado a caminho do matadouro.
O mundo falhou com eles. Nessa hora ele deveria estar em casa, rodeado de brinquedos, com uma risada que ilumina seu rosto. Mas tiveram poucas oportunidades em sua passagem efêmera pela vida. Deles, sobrou apenas uma foto, em preto e branco, como lembrança de um dos momentos mais atrozes da história da humanidade. Ou melhor, história, simplesmente, porque pouco há de humano quando a barbárie é palpável.
Qual seria seu último pensamento? A inocência das crianças é tão pura que minha filha de três anos acredita totalmente que ganhará asas se comer toda a comida. Talvez ele nunca tenha tido certeza de seu destino fatídico. Talvez ele tenha caminhado por aquela terra seca movido pela fantasia, movido pela franqueza, cego pela ingenuidade, aquela espécie de elixir para tornar menos difícil o insuportável.
Sua avó mal consegue se mover. Suas costas estão curvadas pela idade. Ela usa lenço na cabeça e está acompanhada de mais dois pequeninos. Seus netos, vestidos com roupas surradas, a seguem. O rosto não pode ser visto, mas a cabeça de um deles, inclinada para frente, denota profunda tristeza.
Imagino-os nus no armário. A vontade de tomar o primeiro banho depois de uma viagem longa e incômoda. Imagino seus olhos abertos, o desespero, a necessidade de respirar, as mãos na garganta, a angústia, o horror, a morte.
Até 2.500 pessoas poderiam morrer, de uma só vez, em cada câmara. Como se fosse um lote de cupcakes. Como se 5.000 olhos abertos de horror não fossem uma cena tão brutal a ponto de cortar a respiração e a fé no lado bom das pessoas.
Então os corpos, inertes, como pedaços de carne, foram amontoados numa pilha grotesca, diabólica, indescritível, e o fogo os devorou, com uma fome insaciável, para devolver ao céu uma fumaça branca, como se fosse suas almas.
Ele certamente sofreu muito. Resta apenas uma foto deles, em preto e branco e abaixo dela uma explicação sucinta: “uma avó e seus netos marcham sem saber em direção à câmara de gás durante a chegada dos judeus húngaros ao campo de Auschwitz, entre maio e junho de 1944”.
Oitenta anos depois, outras fotos são chocantes. Uma imagem, a cores, mostra um pai à procura, com os seus filhos, de um lugar seguro fora de Gaza. As 25 mil mortes, em pouco mais de cem dias desde o início do conflito com Israel – que ironia! – levam-nos a procurar uma forma de escapar de uma Faixa de Gaza atingida pela guerra.
Eles também caminham para um futuro incerto. O mundo também falhou com eles. Esses pequeninos também deveriam ter um sorriso no rosto e dormir ao meio-dia sem estremecer com as bombas. Enquanto os sionistas justificam a escalada da violência, os judeus justos disseram: “Não em nosso nome”.
Todos os anos, no dia 27 de janeiro, dia em que as tropas soviéticas trouxeram esperança e liberdade ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, a memória das vítimas do Holocausto é lembrada. A história, cheia de paralelos surpreendentes, oferece lições profundas. A humanidade deve cumprir a sua promessa. A Palestina sofre. Não podemos mais permitir a barbárie.
FONTE:
granma.cuTAG:
Genocídio do povo palestino