I - NO REINO DA BARBÁRIE
1. Não podemos confundir civilização e barbárie. Somente a solidariedade poderá decretar como extinta a bruta barbárie, que ainda resiste, por toda a parte.
Queremos aqui desvendar esta tensão ancestral, para superá-la.
A partir de um fato auspicioso que o Parlamento da Catalunha nos oferece:
Está decretado: a tourada é crueldade deplorável. Tourada não é diversão civilizada! Referimo-nos às touradas ainda praticadas na Espanha. A Catalunha em boa hora as extinguiu atendendo ao clamor do povo que abomina a crueldade como espetáculo e desrespeito à vida.
Tourada é flagrante marca de uma cultura decadente e perdulária.
Custa acreditar que um país, como a Espanha, tão arrogante e insolente, ainda mantenha a arena de tortura de animais, ante uma platéia bestificada e selvagem, que aplaude sem pensar, talvez por obrigação contextual...
A tourada é um paradigma de um sistema dominador, onde o algoz subjuga o mais fraco, pela lei da força.
Basta de espetáculos de crueldade! Basta de promover o sacrifício macabro de bois, ante os gritos psicóticos de uma platéia imbecilizada, sedenta de sangue, como seres infernais, como hienas ou chacais!....
2. Para consolidar esta reflexão, vamos fazer uma viagem ao nosso passado e ao nosso futuro, como cidadãos responsáveis, que vão além do trivial:
Até três séculos atrás, o espetáculo sádico e sangrento era dado pela Inquisição. As pessoas eram queimadas vivas, em praça pública, sendo submetidas a sofrimentos atrozes; um espetáculo pavoroso, abominável, selvagem... irracional...
Muito pior que a Inquisição, em termos humanitários, foi a crueldade atroz, cometida pelos castelhanos, dizimando muitos milhões de indígenas, a sangue frio, no fio da espada, na América do Sul, Central e do Norte, marcando para sempre a mais sanguinária atrocidade de todos os tempos, de triste e acabrunhante memória. O fato é relatado pelo insuspeito Frei Bartolomeu de Las Casas.
O “Espírito” que levou a tais atrocidades revive como paradigma reprodutor, nas touradas.
Revive também nos massacres disfarçados, feitos pelo sistema econômico, político e jurídico, ao tripudiar em cima das pessoas e comunidades sem malícia. Grandes holocaustos, em torno do bezerro do ouro monetário.
Precisamos ajudar a extirpar, da nossa sociedade, tão torpes “tradições” que encharcam de sangue e dor muitos capítulos da história da humanidade.
Se a história é mestra da vida, não deixemos ocultar os paradigmas que alimentam o lado pior de muitos humanos animalizados, cantados por esbeltos menestréis
Antes, queremos revelar esses paradigmas macabros. Dizem os romanos que “o povo quer ser enganado” (vulgus vult decipi). Penso que nem sempre. Só quer ser enganado quando lhe falta a consciência. Então demos-lha! Vamos dar nomes adequados: verdade como verdade e falsidade como falsidade; e não falsidade como verdade...
Hoje, a Espanha prossegue a tradição abominável: com o espetáculo selvagem das touradas sangrentas e macabras.
Ainda bem que a Espanha tem Regiões Autônomas, que podem livremente exercitar e respeitar os próprios sentimentos e seu modo de pensar.
Por que a Espanha não adere às touradas sem o holocausto do animal?
II – GLÓRIA FÁTUA DAS TOURADAS
3. Nada mais oposto ao espírito e a letra da civilização ocidental cristã.
O Espetáculo cruel que a Espanha, “orgulhosamente”, marca como algo muito triste, e oferece aos selvagens engravatados, criando um espírito de idiotia coletivo, que bate palmas em vez de chorar e de se revoltar por tanta insensatez. Pois é a Espanha que se orgulha das nefastas touradas...Uma de suas marcas de prestígio (!!)
As touradas são insofismáveis marcas de decadência e de selvageria primitiva.
Não é civilizado ver maltratar animais, com requintes de crueldade, para divertir a plebe e engordar os cofres dos algozes, sem atender aos limites da ética do respeito à vida. A ética precisa ter espaço no mundo financeiro.
O turista paga para ver atrocidades contra animais maltratados até à morte mais ignominiosa, que um ser vivo pode ter: ante os aplausos doentios da platéia desvairada. O orgulho do toureiro matador não é desvio de caráter?
4. Assisti a uma tourada em Madri em 1992. Confesso que fiquei enojado.
Ante os gritos e aplausos histéricos da platéia, senti-me quase num manicômio. Espetáculo degradante para a espécie humana, que não se despiu da brutalidade bárbara, doentia e irracional.
Nunca mais.
A tourada é uma reminiscência trágica e tétrica de uma sociedade bruta e violenta, onde a força bruta suplanta a força da razão, da solidariedade, da convivência sã, cooperativa e respeitosa aos Direitos de cada um.
A tourada é um resquício antológico e arqueológico de uma sociedade sem leis, onde a lei do tacape, do porrete e do apedrejamento garantiam a vantagem dos mais fortes, ou mais cruéis.
É resquício dos tempos dos vitoriosos, que cantavam vitória, em cima de milhares de cadáveres, que deixavam milhares de mulheres viúvas e sós, com muitos milhares de filhos órfãos, morrendo à míngua e ao desamparo; milhares de noivas condenadas à solidão. A ambição era resolvida, no fio da espada ou da adaga, na sagacidade cruel, em vez de se pensar na solidariedade, entre todos, pois que o sol nasce todos os dias, para todos.
5. As touradas denunciam que, escondido debaixo de uma máscara de civilização, existem milhares e perigosas feras humanas sanguinárias. São os lobos com pele de ovelha. A Civilização, para muitos, é uma fantasia para burlar os incautos. As touradas são aponta de um icebergue social, que preserva a crueldade em seus subterrâneos. É arma disponível numa guerra mascarada de entretenimento fantasiado; é um culto à atrocidade.
A sociedade precisa redescobrir o outro, como parte da grande orquestração universal. A força da solidariedade universal entre todos os viventes, racionais e irracionais, animais ou vegetais e até dos minerais.
Solidariedade envolve respeito a toda a natureza, no solo, no subsolo, nas águas, no ar e no espaço sideral.
No entanto, quem aplaude e quem promove esses espetáculos degradantes das touradas, jamais saberá o que é solidariedade universal.
A tourada é o símbolo mais degradante e atroz do imbecil coletivo, egoísta, sádico, que não sabe ver a beleza da natureza, em sua totalidade, orquestrada e articulada, onde toda a vida se relaciona, em dimensões intercomplementares e interdependentes.
III – MUDANÇA E O CAMINHO DA VIDA
6. A Espanha, como país civilizado, há muito deveria ter derrubado essas arenas sanguinárias e bárbaras. Enquanto não fizer, manter-se-á na época pré-histórica da barbárie. Manter esse rentável monumento à decadência social é atitude degradante e lastimável.
O que se faz com os fogosos e belos bois, espicaçando-os até à morte atroz, numa sangreira repugnante, facilmente se fará nas arenas da vida de nosso mundo pseudo-civilizado. Continuarão sendo espalhados cadáveres morais por nossas ruas, residências e palácios. Pelas mãos da justiça, da política e da economia, onde os mais fracos serão espicaçados até sangrarem ante os aplausos e apupos da plebe insana.
Na vigência da lei do mais forte, a vítima poderá facilmente ser condenada como culpada e o criminoso poderá ser indenizado e glorificado.
Não é de hoje que a vítima passa por culpado.
Assim se produzem milhares de cadáveres adiados que perambulam pelas ruas, sós, alienados da vida e da solidariedade.
As touradas são um dos muitos paradoxos que a Espanha precisa ter coragem de esmagar, pondo algo positivo no seu lugar. Seja oferecido ao povo um entretenimento que eleve a humanidade; não algo degradante e decadente.
Não há mal que não se acabe e nem bem que sempre dure.
7. Por isso deve ser saudado, por toda a civilização ocidental, a coragem da CATALUNHA, por ter conseguido aprovar uma lei que risca da paisagem Catalã essa triste ignomínia das sanguinárias e abomináveis touradas.
Parabéns Catalunha. Vocês derrubaram um pobre ídolo de ouro que envergonha a nossa civilização. A Catalunha libertou-se do lado sádico de alguns castelhanos. Mostrou que a soberania é uma condição de sanidade de toda a comunidade Catalã, que não compartilha com a prepotência dos senhores que riem do povo e de suas forças humanitárias.
Não deixem reverter tão auspiciosa e histórica decisão. Logo outras regiões autônomas lhes seguirão o exemplo, em boa hora afixado no sentimento coletivo do povo consciente. Esta é mais uma batalha ganha pela civilização humana.
A tourada espanhola deve ser considerada como uma grande alegoria trágica da modernidade coisificante, que vai manietando e matando, estuprando cruelmente a alma do mundo.
Precisamos libertar a nossa civilização de seus entulhos sádicos e decadentes.
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