terça-feira, 16 de agosto de 2011

Explicar o BCE na esplanada do café...



A Primavera esmerou-se. Um sol agradável acariciava-nos na esplanada
do café à beira da minha porta. A chegada do Senhor Antunes, o mais
popular dos meus vizinhos, deu ensejo a uma lição sobre Europa e
finanças a nós todos que disto pouco ou nada percebemos.

Mais coisa, menos coisa, é assim sem tirar nem pôr:

- Oh Sôr Antunes, explique lá isso do Banco Central Europeu, aqui à
rapaziada do Café.

- Então vá, vá lá, Só por esta vez. O BCE é o banco central dos
Estados da UE que pertencem à zona euro, como é o caso de Portugal.

- E donde veio o dinheiro do BCE?

- O capital social, o dinheiro do BCE, é dinheiro de nós todos,
cidadãos da UE, na proporção da riqueza de cada país. Assim, à
Alemanha correspondeu 20% do total. Os 17 países da UE que aderiram ao
euro entraram no conjunto com 70% do capital social e os restantes 10
dos 27 Estados da UE contribuiram com 30%.

- E é muito, esse dinheiro?

- O capital social era 5,8 mil milhões de euros mas no fim do ano
passado foi decidido fazer o 1º aumento de capital desde que há cerca
de 12 anos o BCE foi criado, em três fases. No fim de 2010, no fim de
2011 e no fim de 2012 até elevar a 10,6 mil milhões o capital do
banco.

- Então, se o BCE é o banco destes Estados pode emprestar dinheiro a
Portugal, não? Como qualquer banco pode emprestar dinheiro a um ou
outro dos seus accionistas.

- Não, não pode.

- ???

- Porquê? Porque... porque, bem... são as regras.

- Então, a quem pode o BCE emprestar dinheiro?

- A outros bancos, já se vê, a bancos alemães, bancos franceses ou portugueses.

- Ah percebo, então Portugal, ou a Alemanha, quando precisa de
dinheiro emprestado não vai ao BCE, vai aos outros bancos que por sua
vez vão ao BCE e tal.

- Pois.

- Mas para quê complicar? Não era melhor Portugal ou a Grécia ou a
Alemanha irem directamente ao BCE?

- Não. Sim. Quer dizer... em certo sentido... mas assim os banqueiros
não ganhavam nada nesse negócio!

- ??!!..

- Sim, os bancos precisam de ganhar alguma coisinha. O BCE de Maio a
Dezembro de 2010 emprestou cerca de 72 mil milhões de euros a países
do euro, a chamada dívida soberana, através de um conjunto de bancos
XPTO, a 1% e esse conjunto de bancos XPTO emprestaram ao Estado
português e a outros Estados a 6 ou 7%.

- Mas isso assim é um "negócio da China"! Só para irem a Bruxelas
buscar o dinheiro!

- Neste exemplo, ganharam uns 3 ou 4 mil milhões de euros. E não têm
de se deslocar a Bruxelas, nem precisam de levantar o cu da cadeira. E
qual Bruxelas qual carapuça. A sede do BCE é na Alemanha, em
Frankfurt, onde é que havia de ser?

- Mas, então, isso é um verdadeiro roubo... com esse dinheiro
escusava-se até de cortar nas pensões, no subsídio de desemprego ou de
nos tirarem o 13º mês, que já dizem que vão tirar...

- Mas, oh seu Zé, você tem de perceber que os bancos têm de ganhar
bem, senão como é que podiam pagar os dividendos aos accionistas e
aqueles ordenados aos administradores que são gente muito
especializada.

- Mas quem é que manda no BCE e permite um escândalo destes?

- Mandam os governos dos países da zona euro. A Alemanha em primeiro
lugar que é o país mais rico, a França, Portugal e os outros países.

- Deixa ver se percebo. Então, os Governos dão o nosso dinheiro ao BCE
para eles emprestarem aos bancos a 1% para depois estes emprestarem a
5 e a 7% aos Governos donos do BCE?

- Não é bem assim. Como a Alemanha é rica e pode pagar bem as dívidas,
os bancos levam só uns 3%. A nós ou à Grécia ou à Irlanda que estamos
de corda na garganta e a quem é mais arriscado emprestar é que levam
juros a 6%, a 7 ou mais.

- Nós somos os donos do dinheiro e nós não podemos pedir ao nosso banco...

- Nós, nós, qual nós? O país, Portugal ou a Alemanha, é composto por
gentinha vulgar e por pessoas importantes que dão emprego e tal. Você
quer comparar um borra-botas qualquer que ganha 400 ou 600 euros por
mês ou com um calaceiro que anda para aí desempregado com um grande
accionista que recebe 5 ou 10 milhões de dividendos por ano, ou com um
administrador duma grande empresa ou de um banco que ganha, com os
prémios a que tem direito, uns 50, 100, ou 200 mil euros por mês. Não
se pode comparar.

- Mas, e os nossos Governos aceitam uma coisa dessas?

- Os nossos Governos, os nossos Governos... mas o que é que os
governos podem fazer? Por um lado, são, na maior parte, amigos dos
banqueiros ou estão à espera dos seus favores, de um empregozito
razoável quando lhes faltarem os votos. Em resumo, não podem fazer
nada, senão quem é que os apoiava?

- Mas oh que porra de gaita! Então eles não estão lá eleitos por nós?

- Em certo sentido, sim, é claro, mas depois... quem tem a massa é que
manda. Não viu isto da maior crise mundial de há um século para cá?
Essa coisa a que chamam sistema financeiro que transformou o mundo da
finança num casino mundial como os casinos nunca tinham visto nem
suspeitavam e que ia levando os EUA e a Europa à beira da ruína? É
claro, essas pessoas importantes levaram o dinheiro para casa e
deixaram a gentinha que tinha metido o dinheiro nos bancos e nos
fundos a ver navios. Os governos, então, nos EUA e cá na Europa, para
evitar a ruína dos bancos tiveram que repor o dinheiro.

- E onde o foram buscar?

- Onde havia de ser!? Aos impostos, aos ordenados, às pensões. Donde é
que havia de vir o dinheiro do Estado?...

- Mas meteram os responsáveis na cadeia?

- Na cadeia? Que disparate. Então, se eles é que fizeram a coisa,
engenharias financeiras sofisticadíssimas, só eles é que sabem aplicar
o remédio, só eles é que podem arrumar a casa. É claro que alguns mais
comprometidos, como Raymond McDaniel, que era o presidente da Moody's,
uma dessas agências de rating que classificaram a credibilidade de
Portugal para pagar a dívida como lixo e atiraram com o país ao
tapete, foram passados à reforma. O Sr. McDaniel é uma pessoa
importante, levou uma indemnização de 10 milhões de dólares a que
tinha direito.

- Oh Sôr Antunes, então como é? Comemos e calamos?!

- Isso já não é comigo, eu só estou a explicar...

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