Quinta do Olival, Aguda
3260 Figueiró dos Vinhos
José Manuel Durão Barroso
Presidente da Comissão Europeia
1049 Bruxelas, Bélgica
Figueiró dos Vinhos, 2 de Maio de 2013
Exmo. Sr. Presidente da Comissão Europeia
José Manuel Durão Barroso
Nova lei europeia sobre sementes
Diversidade agrícola ameaçada
Está em risco a diversidade de vegetais na nossa alimentação diária. A Comissão Europeia prepara-se para votar uma lei que proíbe a troca de sementes entre agricultores e camponeses, ilegalizando a comercialização de milhares de variedades de polinização aberta que não se encontram registadas nos catálogos nacionais e europeu de variedades. Em poucos anos, podem desaparecer milhares de variedades de plantas hortícolas, cereais e frutas desde há gerações preservados pelos camponeses e agricultores europeus. Trata-se da maior ameaça à biodiversidade agrícola cometida em todo o mundo nas últimas décadas e uma ameaça à qualidade da nossa alimentação diária.
No próximo dia 6 de Maio de 2013 a Direcção Geral para Saúde e Consumidores da União Europeia (DG SANCO), deverá apresentar aos comissários europeus a sua proposta para alteração da legislação europeia sobre Material de Reprodução de Plantas, onde se incluem as sementes.
A proposta que vai ser discutida, foi primeiro apresentada no início de Novembro de 2012 sob a forma de dois documentos de trabalho que são o embrião dos dois novos regulamentos sobre a comercialização de sementes e Material de Reprodução de Plantas (MRP) e sobre Saúde das Plantas.
Estas novas leis, a serem aprovadas, vão de facto banir do mercado e da mesa dos consumidores, muitas variedades antigas, raras, de polinização aberta, detidas e trocadas desde sempre pelos agricultores. Estas novas leis são a maior ameaça à biodiversidade agrícola alguma vez cometida na União Europeia.
A Direcção da Colher Para Semear – Rede Portuguesa de Variedades Tradicionais apresenta aqui a sua posição, focando sobretudo os aspectos que tocam a comercialização de Material de Reprodução de Plantas, onde se incluem as sementes.
A Direcção Geral para Saúde e Consumidores (DG SANCO), encarregue deste processo de revisão legislativa, propõe-se substituir todas as 12 directivas comunitárias sobre comercialização de sementes, ainda em vigor, por dois regulamentos idênticos para todos os 27 países membros:
- Regulamento sobre Saúde das Plantas (SP);
- Regulamento sobre Material de Reprodução de Plantas (MRP).
Depois de analisar esta proposta dos novos regulamentos, a direcção da Colher Para Semear entende que a preocupação em manter as variedades tradicionais, antigas ou regionais não está suficientemente defendida, antes é ainda mais atacada.
À luz destas novas leis todos os agricultores, grandes ou pequenos, mesmo os que vendem em mercados locais o excedente da produção que têm para auto-consumo, têm de se inscrever como “operadores”, agentes que trabalham directamente com as sementes. Por outro lado, todos os “operadores” passam a poder utilizar somente as sementes que estejam inscritas, à data da entrada em vigor da nova lei, nos catálogos nacionais dos 27 países da União Europeia ou no Catálogo Europeu de Variedades.
Ora, existem milhares de variedades de polinização aberta que não estão inscritas nos catálogos, pelo que se tornarão, a partir desse momento, variedades ilegais, que apenas podem ser cultivadas por coleccionadores privados.
Por outro lado, o registo de variedades nos catálogos obriga a um conjunto apertado de operações burocráticas e despesas com taxas de registo e de testes que inviabilizam a sua inscrição por pequenos produtores de sementes ou agricultores que as queiram registar. Assim, apenas ficarão disponíveis para serem comercializadas, cultivadas e degustadas, as variedades que as grandes empresas multinacionais do sector das sementes quiserem colocar no mercado. Resta acrescentar que estas variedades da indústria das sementes, são híbridas, menos adaptadas às alterações climáticas e muitas vezes alvo de registo de patente, o que obriga os agricultores a terem de comprar todos os anos as variedades que as empresas colocarem no mercado.
Portugal continua a ser um país onde existem milhares de variedades de fruteiras e vegetais da horta não registadas no Catálogo Nacional de Variedades ou no Catálogo Europeu, mas que continuam a ser cultivadas. São sementes de polinização aberta e MRP que estão nas mãos de agricultores e camponeses que as têm guardado de um ano para o outro, de geração em geração, mantendo no campo variedades adaptadas a determinados climas, tipos de solo e gosto dos seus cultivadores e consumidores.
A implementação desta nova lei, vai retirar a possibilidade de comercialização destas variedades por pequenos produtores, deixando-as apenas na mão de coleccionadores particulares e retirando-as dos mercados regionais e locais onde continuam a ser comercializadas.
Expressamos aqui a nossa preocupação acerca da inevitável perca de biodiversidade agrícola existente ainda no nosso país.
A simples troca de sementes entre agricultores passa a ser punida por lei, se o regulamento for aprovado tal como está.
O direito dos agricultores e camponeses trocarem
livremente as suas próprias sementes deve ser garantido
É preciso assegurar que a actividade dos agricultores nas suas quintas, no que toca à conservação da biodiversidade não ficará restrita. A troca de sementes e de outros MRP é uma tradição bastante antiga entre os agricultores, sendo parte da sua tradição rural com provas dadas no tocante à melhoria de qualidade das plantas. São actividades que contribuem para o desenvolvimento da biodiversidade agrícola, para a adaptação das culturas a condições e locais específicos e que podem aumentar a resistência dos agro-ecossistemas na adaptação às alterações climáticas.
A troca de sementes e MRP entre agricultores não deveria ser considerada uma actividade comercial neste Regulamento. Deve permanecer fora dessa definição de modo a assegurar a segurança legal dos agricultores para que eles possam melhor cumprir com os compromissos do Tratado Internacional sobre os Recursos Genéticos Vegetais para a Agricultura e Alimentação, que reconhece a enorme contribuição dos agricultores e camponeses na preservação da diversidade de produtos agrícolas que alimentam as populações, e afirma o direito fundamental dos camponeses para guardar, usar e trocar as suas sementes e outros materiais de reprodução vegetativa.
Consideramos assim que, fora do âmbito desta lei, deverão ficar todos os pequenos agricultores que produzem para venda em mercados locais ou directamente aos consumidores finais e não devem por isso ser considerados “operadores”.
É necessário lembrar que a propagação de sementes e de MRP em hortas particulares e a troca destes materiais entre agricultores em pequenas quantidades para auto-produção e consumo, continua a ser prática habitual por toda a Europa. Nas últimas décadas, estas actividades acabaram por tornar-se bastante importantes na conservação das diversas variedades de fruteiras e hortícolas, muitas vezes negligenciadas por parte dos profissionais do sector e da agricultura industrial.
A troca de sementes e de MRP entre camponeses é um elemento importante da agricultura tradicional assim como do envolvimento da sociedade civil na conservação da biodiversidade agrícola – um serviço prestado à sociedade, sem quaisquer custos para o Estado, apenas levado a cabo pela boa vontade e motivação dos cidadãos.
Torna-se assim claro que, do ponto de vista da manutenção da biodiversidade agrícola, desencorajar os cidadãos de participar nas actividades de conservação de variedades, deixando-os na ilegalidade, é uma atitude irresponsável. Por isso a troca de sementes em pequenas quantidades entre agricultores e associações de conservação de sementes, deverá ficar de fora do âmbito deste regulamento, assegurando assim segurança legal para todos os indivíduos envolvidos nessa actividade.
Também as redes de conservação de sementes in situ devem permanecer fora do âmbito das leis de comercialização de sementes e MRP. Este regulamento deverá aplicar-se apenas aos “operadores” que produzem MRP com intenção de os colocar no mercado.
A legislação europeia deve permitir a existência legal de variedades tradicionais menos homogéneas que as híbridas, pois isso, para além de não ser um factor de risco para a saúde, pelo contrário, vai contribuir para uma maior qualidade e segurança alimentar.
Se noutras culturas como a vinha, já se assumiu o erro que seria a reprodução clonal (a partir de uma só planta), para a selecção massal (a partir de uma população de plantas da mesma casta mas com variabilidade genética), seja pela melhor adaptação às alterações ambientais, seja pela melhor qualidade do vinho, porque é que nas outras espécies cultivadas se insiste na uniformização da variedade?
Em Portugal, temos mais de 200 castas de videira, e isso é considerado um património valioso, mas que só foi possível manter pelo trabalho persistente dos viticultores, por vezes resistindo às recomendações oficiais de limitar o número de castas em cada região. Nas outras espécies cultivadas também temos um valioso património que não pode ser destruído por qualquer legislação!
Cremos que esta nova lei apenas beneficia as grandes empresas de comercialização de sementes que cada vez mais controlam o mercado e registam patentes de novas variedades. Parece uma lei feita à luz dos seus interesses e que poderá banir definitivamente das nossas terras e do nosso prato muitos dos vegetais que nos habituámos a saborear, substituindo-os por vegetais híbridos, geneticamente modificados, sem o sabor ou textura que ainda hoje permanecem à mesa de muitas pessoas.
Assim, e à semelhança do que têm feito muitas associações congéneres e grupos de pessoas da sociedade civil, reivindicamos:
- A isenção da obrigação de registo e certificação para sementes e Material de Reprodução de Plantas que sejam de polinização aberta e não protegidos por direitos de propriedade intelectual.
- A troca de sementes e material de Reprodução de Plantas entre agricultores, pessoas individuais e organizações sem fins lucrativos, deverá ser excluída do âmbito do novo Regulamento.
- O âmbito do novo Regulamento deve ser limitado à comercialização de MRP com vista à sua exploração comercial e acima de um certo nível (como definido no art.º 8 (2) do Regulamento 1765/92).
- O Regulamento não deve aplicar às sementes de polinização aberta, agricultura biológica ou criadas para condições locais específicas, as mesmas normas de registo e certificação que foram criadas para as sementes industriais.
- As micro e pequenas empresas de comercialização de sementes apenas devem ser sujeitas às regras básicas para operadores, desde que não trabalhem com Organismos Geneticamente Modificados ou com MRP protegido por direitos de propriedade intelectual.
- Os criadores de novas variedades devem informar o público sobre os métodos de criação utilizados e os direitos de propriedade intelectual associados a uma variedade e às suas linhas parentais quando registam estas variedades.
- A possibilidade de um Estado, ou da Comissão Europeia, proibirem ou suspenderem o cultivo de uma variedade por razões ambientais ou de saúde pública, quando dados experimentais concluírem da existência desses riscos. Isto aplica-se principalmente às variedades OGM que não estão suficientemente testadas, em especial quanto aos efeitos na saúde dos animais, por um período de alimentação para além dos 3 meses de duração.
A Direcção da Associação Colher Para Semear – Rede Portuguesa de Variedades Tradicionais
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