segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Que bela homenagem !




Carlos Tenreiro
17 h · São Paulo, Brasil ·


Plantava nos campos o que plantava nos ares: o suor, os sonhos, a poesia das folhas, a lenda das flores, o romance dos juncos. Tecia no sol o sumo: o traço, o Lácio, o fruto, a sombra das rendas, a fibra das noites, as cores dos lúmens. Flutuava por dentro da terra com suas mãos, artesão que era dos grãos, dos sins, dos tempos de plantio e cura, porque, lavrador, fazia seu arado onde as horas exigiam a semente de cada dia e os concretos a sina de cada pão.
Camponês do norte da Ibéria, Dom Quixote das almas, lutando contra a secura e seus moinhos, Alberto se abria para o meio-dia dos figos contra o frio dos seres humanos. Cantarolava suas cantigas guardadas sobre as asas, sobrevoando veredas dos tempos antigos. E florescia: em suas pétalas destituía as intrigas de cada segundo sobre a mesa farta que a todos provia. Nenhuma migalha de alma sobre os pratos, nenhum azedume sobre os dissabores da vida. Tudo era limpo e bom, verdade e perdão, mesmo nos vãos dos seres, mesmo diante dos nãos que feriram seu coração.
Alberto e seus linhos: sobre suas cicatrizes, as dores se convertiam em lírios; sobre suas dores, seus olhos formavam rios e tudo era afago e dom. Camponês, artesão, senhorio das brisas quando, sustentando a enxada, abria a terra para plantar sua alma dia após dia, arejando o sol entre os olhos e os olhos entre os grãos.
Nos restaurantes, nos ônibus, nas padarias, nos bares, nas lojas onde fez seu ganha-pão, colheu histórias e amigos; na terra, nos cimentos, nos balcões, fez-se campônio, e tudo era campo, fado, suor, plantio e som. Assim era Alberto, meu pai, ourives dos campos, olaria das luzes, semente que continua frutificando um amor que nunca teve nãos.

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