Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do
que futuro.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de cerejas. As
primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas,
rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em
reuniões onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos
e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral. "As pessoas não debatem conteúdos,
apenas os rótulos".
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade…
Só há que caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial
faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
Mário Coelho Pinto de Andrad (1928/1990), poeta, ensaísta e escritor angolano
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