segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

UM DOS GRANDES EQUÍVOCOS DAS ESQUERDAS EM NÍVEL MUNDIAL


Minha formação acadêmica sempre foi voltada para o conhecimento jurídico. Vale dizer, não sou um especialista na “ciência” política. Entretanto, tendo a idade que tenho, considerando a leitura diversificada que venho empreendendo de longa data e, principalmente, levando em linha de conta o meu “envolvimento” antigo com o chamado “pensamento de esquerda”, ouso fazer o comentário abaixo, não restrito à realidade brasileira. Julgo, ainda, que ele só é pertinente para os países do chamado “mundo ocidental”.
O crescimento da “direita”, em quase toda a Europa e as Américas, muito se deve aos erros dos governos ligados à “esquerda”, embora muitos não tenham chegado a implementar uma economia verdadeiramente socialista. Vale a pena ressaltar que vários foram os fatores que favoreceram essa “onda conservadora”. Entretanto, aqui nos interessa ressaltar apenas um deles.
Por outro lado, também foram vários os erros da esquerda ao logo destas últimas décadas, mas aqui nos interessa ressaltar também apenas um deles.
Entendo que um dos grandes erros da esquerda, em várias partes do planeta, foi acreditar na possibilidade de um “acordo sadio” com a elite econômica, fazendo concessões e alianças com a burguesia que, por definição, é gananciosa, retrógrada, preconceituosa e conservadora. Vale dizer, a esquerda acabou por negar o que lhe é essencial: a luta de classes (ainda que se entenda apenas como conflito de interesses entre as camadas da sociedade capitalista).
Certo que Karl Marx chegou a sugerir, de forma tópica, parcial e temporária, algumas alianças com a nova burguesia que se insurgia contra o absolutismo dos monarcas e contra a estrutura feudal que já agonizava, na época. Entretanto, segundo os melhores historiadores dos movimentos sociais, o empresariado jamais deixou de atender aos seus interesses de sua classe insurgente. Prestes e o antigo PCB também chegaram a crer neste tipo de aliança ...
Desta forma, acreditando em conciliações espúrias, a esquerda deixou de ser “marxista-leninista” e passou a agir para “melhorar o capitalismo”. A esquerda passou a governar como faria qualquer partido da burguesia tradicional, apenas procurando melhor distribuir a renda social e privilegiar as classes mais necessitadas da população. Lógico que não sabemos se a correlação de forças e as demais condições objetivas permitiriam que os governos de esquerdas pudessem fazer muito diferente ...
Sob certo aspecto, foi uma melhoria para os mais pobres, mas sob outro aspecto, foi um atraso para o desejável avanço das lutas sociais. Melhorar o capitalismo – ou melhor, torná-lo menos ruim - é prejudicar o caminhar em prol do verdadeiro socialismo.
Pode ter sido oportunismo. Pode ter sido ingenuidade. Pode até ser que os governos de esquerda não tivessem condições políticas para fazer diferente, como salientamos acima. Não importa, talvez fosse melhor que tais governos de esquerda fossem tirados autoritariamente do poder do que restassem desmoralizados ou desprestigiados.
Em outras palavras, não adianta chegar ao poder com alianças que desfiguram e descaracterizam os movimentos de esquerda.
Nesta perspectiva de desmoralização da esquerda mundial, talvez fosse até melhor o chamado “quanto pior melhor”. Ao menos cairia a máscara dos governos fascistas e estaria potencializada a “luta de classes”, condição necessária a uma real transformação social, condição necessária, mas não única, para a criação de um novo modelo de sociedade, de uma sociedade mais justa, fraterna e democrática.
Em suma, os governos ditos de esquerda acabaram por desmoralizar o correto pensamento de Marx, Engels, Lenin e tantos outros que o aperfeiçoaram e completaram. Hoje, ser de esquerda passou a ser sinônimo de incompetência, autoritarismo e corrupção.
A esquerda não poderia ter sido igual aos outros partidos políticos tradicionais, até porque era tudo o que desejava essa mídia empresarial e comprometida com o grande capital.
Agora, o que nos resta? Acho que, a curto prazo, nos resta muito pouco. Talvez um pouco de “romantismo” e saudosismo.
Entretanto, como tudo evolui dialeticamente, através das forças contrárias, as gerações futuras podem vir a ter gratas surpresas e manter acesa a indispensável utopia de um mundo melhor. Certamente, isto vai exigir conhecimento, estudo, inconformismo, rebeldia e muita luta social. Para isso, as novas gerações precisam conhecer a história das lutas pela emancipação das classe oprimidas.
Por causa destas espúrias alianças das esquerdas com o poder econômico mundial, ao menos, três gerações não poderão assistir à realização de seus sonhos: viver numa sociedade onde não haja explorados e exploradores, uma sociedade onde a competição seja substituída pela colaboração, onde o egoísmo seja substituído pela solidariedade. Enfim, uma sociedade onde o homem, e não o mercado, seja o centro e a razão de tudo.

Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito da Uerj

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