terça-feira, 12 de março de 2019

Quando um Juiz processa um país , é Carnaval !


“É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.” Albert Einstein

Criticar Neto de Moura não é uma faculdade, é uma obrigação, é um imperativo de cidadania. Conseguir fazê-lo, ante a fundamentação dos seus Acórdãos sobre violência doméstica, com humor, é pura arte.
Ser-se processado por Neto de Moura, por criticar a fundamentação dos seus Acórdãos sobre violência doméstica eivada de considerações preconceituosas, desrespeitosas para com as vítimas, atávicas, subjectivas, misóginas, por verterem concepções de comunhões conjugais que acomodam a normalização de episódios de “pancadaria” dignos da Ultimate Fighting Championship, entre o mais, não é mau. Outrossim, só significa que o putativo Demandado tem a capacidade de se indignar com aquilo que é motivo, justo e justificado, de indignação.
E, ao contrário do que, segundo se percebe, o Senhor Desembargador Neto de Moura acredita, o poder judicial não actua no vazio, as Setenças e os Acórdãos são direccionados a seres humanos (sim, ainda que Neto de Moura não tenha notado, as mulheres são seres humanos!), que reclamam a tutela de um direito ante um Tribunal.
O poder judicial tem uma vertente pedagógica junto da comunidade para quem administra Justiça. Pelo que, ao contrário do que Neto de Moura parece acreditar, as partes – e a comunidade onde estas se inserem - também julgam o Juiz, sempre que lhes chega à mão uma Decisão. Donde, o cidadão – que é Desembargador – Neto de Moura, sempre que prolata uma Decisão está vinculado à responsabilidade de expressão, dever esse inerente à correspondente liberdade, a qual também tem limites, mesmo quando se trata da liberdade de Neto de Moura.
Mas há mais e mais relevante: Neto de Moura também acreditava que estava acima da critica e que o caminho dos epítetos era uma via de direcção única. Mas não! Neto de Moura escreveu o que quis. Ora, como costuma acontecer nesses casos, ouviu as críticas que não queria ter ouvido.
É normal que assim seja nos Estados de Direito Democráticos. E nem há possibilidade para que o putativo Demandante, Neto de Moura, possa dizer que o desconhecia sem ter obrigação de conhecer, porque não há magistrados judiciais sem o curso de Direito e Direito Constitucional é lecionado logo no primeiro ano.
Neto de Moura deveria estar agradecido, porque vivemos num país de brandos costumes e as reacções à fundamentação dos seus Acórdãos sobre violência doméstica, a qual configura verdadeiras afrontas, surgiram, sobretudo, sob a forma de humor. Poderia ter-se dado o caso de os portugueses, que pagam os impostos com os quais é pago o vencimento do Senhor Desembargador, a fazer luz semelhante Jurisprudência, terem acatado a desvalorização que o próprio Neto de Moura fez, ao longo das páginas dos seus arestos, da violência sobre um seu semelhante.
Ainda assim, Neto de Mouro está ofendido.
Curiosamente, Neto de Moura diz que há uma diferença entre a critica e a ofensa. O mesmo Neto de Moura que nunca compreendeu, até hoje, a diferença entre ofender e fundamentar uma Decisão Judicial.
Se não, vejamos alguns exemplos:
Neto de Moura não respeita a autodeterminação sexual de cada um/a: divide as mulheres entre honestas e desonestas (as adúlteras), quando escreve num seu Acórdão “são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras”. Apanhar com uma moca, reclamar tutela judicial e acabar-se julgada, catalogada como adúltera e desonesta é ser-se ofendida na sua honra. Mas Neto de Moura não hesitou em subscrever estas ofensas, perpetradas contra uma mulher, vítima de violência doméstica.
Quando Neto de Moura conduzia sem chapas de matrícula e foi interceptado por uma patrulha da GNR, por não ter obedecido, voluntariamente, a uma ordem de paragem, foi denunciado ao Conselho Superior da Magistratura, acusado por de ter adoptado uma postura “provocatória, intimidatória e ofensiva”, ante aquelas forças da autoridade. Chama-se o caso à colação, porque seria nesse âmbito que Neto de Moura proferiria a espantosa generalização sobre a, por si alegada, tendência marginal - muito acentuada - para a mentira, por banda da polícia. Ora, Neto de Moura também não se apercebeu, nessa ocasião, que subscrevia uma ofensa à honra e à integridade moral e profissional dos polícias, ao afirmar que estes profissionais “geralmente” mentem.
Repristine-se, ainda, o caso em que as declarações da vítima, em juízo, são desconsideradas por Neto de Moura por não serem consideradas fidedignas já que se trata de declarações produzidas por uma mulher adúltera. Assim e como tal, o ser humano em causa é por este mesmo Juiz epitetada, numa sua Decisão, de “dissimulada, falsa, hipócrita, desleal, que mente, engana, finge. Enfim, carece de probidade moral”; “Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus tratos.”. Mas uma vez mais o agora ofendido Neto de Moura não se apercebe que, com estas considerações, ofendeu a honra de alguém.
Que a conexão de Neto de Moura à realidade não era das melhores já todos/as tínhamos percebido, mormente porque os exemplos que supra se deixaram elencados davam conta disso mesmo, mas essa nossa convicção sai agora reforçada, quando percebemos que pretende amordaçar todo um país, que este Juiz considera que o ofende
Neto de Moura tem, obviamente, direito a lançar mão da via judicial, como qualquer cidadão/ã, conquanto não pretenda litigar de má fé, devido à sensibilidade que revela possuir em relação a si próprio, quando concomitantemente denota – nos seus Acórdãos - desprezar a daqueles que julga.
Não podendo negar que a sensibilidade existe, pelo menos a do primeiro tipo, resta desejar que, apesar da época ser carnavalesca, haja bom senso!

Ana Sofia de Sá Pereira
Advogada – Mestre em Direito
Porto, 04.03.2019

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