sábado, 20 de janeiro de 2024

"O Último Tamoio", tela pintada por Rodolfo Amoedo, retratando a morte do guerreiro Aymberê. Há 457 anos, em 20 de janeiro de 1567, os colonizadores portugueses derrotavam os guerreiros indígenas durante a Batalha do Rio de Janeiro, pondo fim à Confederação dos Tamoios.


A chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500, marcou o início de um processo brutal de exploração e extermínio dos povos indígenas que habitavam o território. Os colonizadores estabeleceram diversas estratégias para subjugar os nativos e forçá-los ao trabalho escravo nos engenhos e nas lavouras. O estabelecimento de alianças com algumas nações indígenas, que eram então incitadas a guerrear com outros povos nativos, era uma estratégia recorrente. Foi o que fez, por exemplo, o português João Ramalho, ao se casar com Mbici, a filha do cacique Tupiniquim Tibiriçá. A aliança estabelecida por João Ramalho com os Tupiniquins permitiu a expansão do domínio português na Capitania de São Vicente (hoje São Paulo), neutralizando a resistência dos Tupinambás.
Com a expansão colonial no Sudeste do Brasil, os Tupinambás, nação indígena predominante na faixa litorânea, se tornaram alvos preferenciais dos colonizadores, sendo capturados e forçados ao trabalho escravo. É o caso de Kayruçu, o cacique de uma aldeia no litoral paulista, e de seu filho, Aymberê, ambos aprisionados nas fazendas de Brás Cubas, o governador da Capitania de São Viente. Kairuçu morreu no cativeiro, vitimado pelos maus tratos dos escravagistas, mas Aymberê conseguiu fugir. Após retornar para sua aldeia, Aymberê assumiu a liderança de seu povo e declarou guerra aos colonizadores portugueses.
Aymberê iniciou a formação de um exército para lutar contra os invasores europeus e se esforçou para obter a adesão de outros líderes Tupinambás ao levante. Conquistou de imediato o apoio de Pindobuçu (cacique de uma aldeia no Rio de Janeiro), de Cunhambebe (oriundo de Angra dos Reis) e de Koakira (vindo de Ubatuba). Também obteve a adesão de outras nações indígenas, como os Guaianazes (liderados por Agaraí), os Goytacazes e os Aimorés. Nascia assim a Confederação dos Tamoios, responsável por um dos maiores levantes indígenas do período colonial. O cacique Cunhambebe foi designado como líder da confederação.
A Confederação dos Tamoios foi firmada no mesmo período em que os franceses desembarcavam no Rio de Janeiro e tentavam criar sua própria colônia no Brasil — a França Antártica. Vislumbrando a possibilidade de se criar uma aliança contra os portugueses, Cunhambebe procurou Villegagnon, líder dos franceses. Um acordo foi firmado e os franceses forneceram armas aos Tamoios, na esperança de que os indígenas conseguissem enfraquecer o domínio português no Brasil. Antes que uma ofensiva fosse coordenada, entretanto, uma terrível epidemia atingiu os Tupinambás, ceifando a vida de vários guerreiros do grupo, incluindo Cunhambebe.
Aymberê foi escolhido como novo líder da Confederação dos Tamoios. Em um esforço para ampliar a aliança, ele enviou emissários para tentar obter a adesão de outros grupos indígenas. Jaguaranho, sobrinho do cacique Tupiniquim Tibiriçá, recebeu a missão de tentar convencer seu tio a romper a aliança com os portugueses e se juntar à confederação. Tibiriçá, já convertido ao catolicismo e integrado aos costumes dos portugueses, fingiu concordar com a rebelião e propôs um ataque ao recém-fundado aldeamento português em São Paulo. Tratava-se de uma emboscada. Na data e local combinados, Tibiriçá, à frente de uma coluna de guerreiros Tupiniquins, declarou sua fidelidade à coroa portuguesa. Em seguida, matou seu sobrinho, Jaguaranho, e ordenou um ataque contra os Tamoios. Seguiu-se um conflito sangrento, que dizimou boa parte dos Guaianazes.
Reagrupados sob a liderança de Aymberê, os Tamoios organizaram uma potente campanha contra os portugueses. Realizaram uma série de ataques bem sucedidos aos engenhos, assentamentos e feitorias dos colonizadores. Para neutralizar a vantagem bélica que os oponentes tinham em campo aberto, os guerreiros atraíam os portugueses para o combate na mata, dividindo-os, exaurindo-os e deixando-os mais vulneráveis a emboscadas e escaramuças. Na mata, os indígenas tinham vantagem nos combates corpo a corpo e nos ataques com flechas, lanças e tacapes. Os guerreiros Tamoios obtiveram uma impressionante sequência de vitórias, destacando-se sobretudo o triunfo na Batalha do Cricaré, quando mataram Fernão de Sá, filho do governador-geral da colônia, Mem de Sá.
Assustados, os portugueses pediram aos padres jesuítas que mediassem um cessar-fogo com os guerreiros Tamoios. Os padres José de Anchieta e Manuel da Nóbrega foram responsáveis por conduzir as negociações. Os Tamoios exigiram a libertação dos indígenas escravizados — incluindo a esposa de Aymberê, que havia sido capturada por Heliodoro Eoban. Em 1563, após vários meses de negociações, Tamoios e portugueses celebraram o Armísticio de Iperoig, suspendendo os combates.
A trégua durou menos de um ano. Insatisfeitos com o acordo, os portugueses pressionaram pelo retorno do apresamento dos indígenas, a fim de obter mão de obra escrava para as fazendas. Os ataques foram reiniciados de forma ainda mais intensa. Os portugueses, entretanto, aproveitaram o intervalo para incrementar sua capacidade ofensiva. Determinado a expulsar os franceses do Rio de Janeiro e a acabar com a revolta dos Tamoios, Mem de Sá ordenou ao sobrinho, Estácio de Sá, que trouxesse de Portugal uma frota de galeões repletos de armas e homens para reforçar as milícias. Os portugueses também conseguiram estabelecer uma aliança com Arariboia, chefe do povo Temiminós, rivais dos Tupinambás.
Os Tamoios seguiram combatendo os portugueses por mais três anos, logrando algumas vitórias. Os colonizadores, entretanto, eram beneficiados pela superioridade bélica. Dotados de reforços e reposição constante de armas, os portugueses passaram a realizar ataques sistemáticos e extremamente violentos aos Tamoios, destruindo uma a uma as suas posições, até isolá-los em único foco de resistência. Em janeiro de 1567, os portugueses decidiram realizar uma ofensiva derradeira para exterminar os Tamoios, mobilizando duas frentes, comandadas por Estácio e Mem de Sá, e uma coluna de guerreiros Temiminós.
Mesmo ciente de que não havia como vencer os colonizadores, Aymberê decidiu lutar para defender seu território e seu povo. Mobilizou 1.500 guerreiros Tamoios e 160 canoas. Em 20 de janeiro de 1567, nas praias do Rio de Janeiro, deu-se o confronto derradeiro entre Tamoios e portugueses. Os combates se estenderam por dois dias, opondo flechas e bordunas a canhões e escopetas. Ao término da batalha, as areias da praia estavam tingidas de sangue e o último reduto dos Tamoios estava devastado. Todos os líderes Tamoios foram mortos em combate, incluindo Aymberê. Suas cabeças foram decepadas e fincadas em lanças como uma advertência dos portugueses aos indígenas: "rebeliões não serão toleradas".


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