terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
Não podem exterminar os agricultores para prevenir os incêndios
Por: João Dinis - 26 de Fevereiro de 2018 - AbrilAbril
A pretexto da «prevenção de incêndios florestais/rurais» prepara-se uma vasta manobra de autêntica espoliação do direito de propriedade a milhares e milhares de pequenos e médios proprietários rurais e de produtores florestais.
O Ministério da Agricultura, secundado pelo Ministério da Administração Interna e pelo Ministério das Finanças, com a ameaça de formas duras de coacção e mesmo de repressão, pretende acelerar toda uma vasta manobra de autêntica espoliação do direito de propriedade a milhares e milhares de pequenos e médios Proprietários Rurais e de Produtores Florestais.
O pretexto é a alegada «prevenção de incêndios florestais/rurais», alegadamente para evitar a ocorrência de violentos e extensos fogos como os que nos têm abrasado e arruinado.
Ao mesmo tempo se violentam, com ameaças idênticas, aspectos eminentemente democráticos da autonomia dos municípios face ao poder central, enquanto o governo central tenta desresponsabilizar-se dos problemas tremendos que, de facto, se põem à floresta nacional e às zonas rurais em geral.
São problemas de políticas florestais/rurais e de ordenamento territorial – incluindo o ordenamento florestal – que, em primeiro lugar, ao Governo e ao Estado compete perceber, enfrentar e controlar, com respeito pelos direitos e interesses dos pequenos e médios Agricultores e Produtores Florestais, e em respeito pela autonomia das autarquias.
Em síntese, são dois «crimes» autocráticos cometidos de um só «golpe»: espolia-se o direito de propriedade dos pequenos e médios proprietários e viola-se a autonomia municipal no âmbito de decisão e intervenção exclusivas dos Municípios.
O que está em causa no chamado «Regime Excepcional das Redes Secundárias de Faixas de Gestão de Combustível»
Veja-se aquilo que está em marcha no âmbito do chamado «Regime Excepcional das Redes Secundárias de Faixas de Gestão de Combustível» e outra legislação mais recente. A 15 de Março termina o prazo legal imposto para que os Proprietários Rurais, os Produtores Florestais e os órgãos de gestão dos baldios assegurem acções «de limpeza» das suas parcelas agro-florestais, em cumprimento daquele «Regime Excepcional».
Tais acções «de limpeza» devem incidir numa faixa de 100 metros ao redor das zonas urbanas de aldeias, vilas e cidades rurais, em 50 metros ao redor de habitações mais isoladas e também nos espaços de 10 metros a seguir a bermas de estradas e de zonas industriais, tudo isso alegadamente para prevenção de incêndios florestais e rurais.
A seguir, a 15 de Março e até 31 de Maio, as Câmaras Municipais estão obrigadas, por lei, a entrar nos terrenos a limpar, em substituição e ao arrepio dos respectivos (pequenos e médios) proprietários ou dos órgãos de gestão dos baldios. E quem, por qualquer motivo, «não cumpra», fica de imediato sujeito a «autos de contra-ordenação» e a pesadas coimas (multas), sejam eles os Proprietários Rurais, os Produtores Florestais ou os órgãos de gestão dos baldios. As pesadas penalizações por «incumprimento» podem também recair sobre os orçamentos das Câmaras Municipais, através de «cortes» – feitos à ordem do Governo – de até 20% das transferências do Orçamento de Estado.
No caso, trata-se de fazer aplicar, de forma «cegamente» autoritária e repressiva, o tal «Regime Excepcional» e outra legislação mais recente de matriz marcadamente tecno-burocrática. Note-se que, também nestes domínios, «os (alegados) fins não podem justificar todos os meios». Esta legislação é marcadamente coerciva/repressiva. Além do mais, esta legislação impõe condições inviáveis e práticas contraproducentes!
Ou seja, tal como já é hábito, através de um «golpe» legislativo faz-se passar as maiores vítimas dos incêndios – os pequenos e médios Proprietários Rurais e os Produtores Florestais – para o lugar de culpados, enquanto sucessivos governos se tentam desresponsabilizar e «sacudir a água, o fogo, o fumo e a cinza, dos seus pesados capotes». Nós contestamos, com toda a indignação, estes comportamentos oficiais, como perversos e desviantes!
Não, à coacção arbitrária! Sim, às intervenções de limpeza de parcelas rústicas a definir em espírito de livre colaboração!
Pois bem, melhor, pois mal: tendo em conta os prazos muito apertados que o Governo agora impôs; a grande dificuldade que, por todas as razões, se pode prever para a execução de tais obrigações legais; a extrema fragilidade em que se encontra a nossa floresta em consequência dos incêndios; e ainda a elevada descapitalização em que se encontra a larga maioria dos Produtores Florestais e dos (pequenos e médios) Proprietários Rurais; é certo e sabido que esta legislação não vai poder ser cumprida, mormente no Minifúndio, apesar de todas as ameaças de repressão em presença!
Com esta «engrenagem» a manter-se em marcha – o que, aliás, é necessário impedir que aconteça –, os Proprietários Rurais, descapitalizados e sem verdadeiros incentivos financeiros vêm a iminência dos prazos a cumprir inflacionar os custos com as acções mais sistemáticas dessa «limpeza». A seguir, inflacionadas (caras) vão sair as «facturas» que as Câmaras Municipais mais «zelosas» também façam chegar aos proprietários que identifiquem, pelos custos do «serviço de limpezas» que venham a fazer nas Parcelas em substituição desses mesmos proprietários. Entretanto, também o Governo já «inflacionou» – aumentou para o dobro – os custos das «coimas» (das multas) a aplicar por incumprimentos nas «limpezas» no âmbito deste «regime excepcional» de que vimos falando.
O resultado, em convergência, será que, por razões várias, de entre as quais as dificuldades financeiras dos seus legítimos donos ou usufrutuários, milhares e milhares de pequenas e até médias parcelas rurais virão a ser hipotecadas, a seguir leiloadas, por fim consumadamente espoliadas! Outros proprietários, sob a pressão crescente destes processos, vão procurar vender as suas parcelas ao desbarato.
E ainda nesse seguimento, como neste caso específico estamos a falar, por exemplo, de parcelas situadas dentro de uma faixa até 100 metros ao redor dos perímetros urbanos de aldeias, vilas e cidades nos concelhos rurais, a seguir virá a pressão imobiliária (entre outras) especular com os terrenos assim espoliados. Quer dizer, à pala desta legislação de pendor fortemente repressivo e a pretexto do justo objectivo de fazer prevenção de incêndios, todo o «sistema» especula à custa dos direitos e interesses dos descapitalizados pequenos e médios Proprietários Rurais!
Está em marcha a «máquina de triturar» direitos e interesses dos pequenos e médios Produtores Florestais e Proprietários Rurais
É uma «máquina de triturar» que já trabalha há décadas. A sua componente «florestal» foi «montada» com base nos «cálculos» economicistas que presidem ao interesse estratégico da grande indústria de transformação de madeira – das celuloses em especial mas não só das celuloses – «cálculos» consubstanciados através da aplicação prática do binómio «quanto mais madeira melhor… ao mais baixo preço possível à produção».
É este o (grande) interesse estratégico, mais do que dominante, que «desenhou» as linhas apertadas das políticas agro-florestais até hoje seguidas, em Portugal, há mais de três décadas, e a que se submeteram, «cantando e rindo», sucessivos governos e governantes, incluindo o Governo actual – apesar deste até dispor de condições político-institucionais que lhe permitiriam actuar de forma muito diferente.
A outra componente mais forte e «de sistema» radica na aplicação «a ceifar» da Política Agrícola Comum (PAC) nas suas várias versões, que muito tem contribuído para a ruína de centenas de milhar de pequenas e médias explorações agrícolas, o que por sua vez força o êxodo rural.
Num contexto destes, tipo «rolo compressor», mais do que falta de vontade política, o que vemos é má vontade política, da parte de sucessivos governos e da própria União Europeia, contra os pequenos e médios Agricultores e Produtores Florestais!
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