domingo, 24 de novembro de 2019

Leia a íntegra do pronunciamento oficial de Lula ao PT


23 de novembro de 2019



Companheiras e companheiros do PT,

Convidados de todo o Brasil e de outros países,

Minhas amigas, meus amigos,

Esperei muito tempo para poder falar livremente ao povo brasileiro. Esse dia finalmente chegou, e minha primeira palavra tem de ser de agradecimento, pela solidariedade, pelo carinho e pelas manifestações de quem não desistiu de lutar e vai continuar lutando pela verdadeira justiça.

Durante 580 dias fui isolado da família, dos amigos e companheiros, apartado do povo, mesmo tendo o direito constitucional de recorrer em liberdade contra a sentença injusta e fraudulenta de um juiz parcial. Um direito que somente agora foi proclamado pelo Supremo Tribunal Federal, para todos, sem exceção.

Com as armas da verdade e da lei, continuarei lutando para que os tribunais reconheçam, agora, que fui condenado por quem sequer poderia ter me julgado: um ex-juiz que atuou fora da lei, grampeou advogados, mentiu ao país e aos tribunais, antes de desnudar seus objetivos políticos. Lutarei para que seja anulada a sentença e me deem o julgamento justo que não tive.

Aos 74 anos de idade, não tenho no coração lugar para ódio e rancor. Mas quem nesse país já sofreu a humilhação de uma acusação falsa, por causa da cor de sua pele ou por sua origem social humilde, conhece o peso do preconceito e é capaz de sentir o quanto fui ferido em minha dignidade. E isso não se apaga.

Nada nem ninguém vai devolver o pedaço arrancado da minha existência, mas quero dizer que aproveitei esses 580 dias para ler, estudar, refletir e reforçar meu compromisso com o Brasil e com nosso povo sofrido. Voltei com muita vontade de falar sobre o presente e principalmente sobre o futuro do Brasil.

Mas logo depois da minha primeira fala, de volta ao sindicato onde passei o último momento de liberdade, disseram que eu deveria ter cuidado para não polarizar o país. Que seria melhor calar certas verdades para não tumultuar o ambiente político, para o PT não provocar uma ameaça à democracia.

Vamos deixar uma coisa bem clara: se existe um partido identificado com a democracia no Brasil é o Partido dos Trabalhadores. O PT nasceu lutando pela liberdade durante a ditadura. Não tentem negar essa verdade porque nós apanhamos da repressão, fomos perseguidos, presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional por defender essa ideia.

Desde que foi criado, há quase 40 anos, o PT disputou dentro da lei e pacificamente todas as eleições neste país. Quando perdemos, aceitamos o resultado e fizemos oposição, como determinaram as urnas. Quando vencemos, governamos com diálogo social, participação popular e respeito às instituições.

Outros partidos mudaram as regras da reeleição em benefício próprio. Nós rejeitamos essa ideia, mesmo gozando de uma aprovação que nenhum outro governo jamais teve, porque sempre entendemos que não se pode brincar com a democracia.

Não fomos nós que falamos em fechar o Congresso, muito menos o Supremo, com um cabo e um soldado. Em nossos governos, as Forças Armadas foram respeitadas e os chefes militares respeitaram as instituições, cumprindo estritamente o papel que a Constituição lhes reserva. Nenhum general deu murro na mesa nem esbravejou contra líderes políticos.

Não fomos nós que pedimos anulação do pleito só para desgastar o partido vencedor; que sabotamos a economia do país para forçar um impeachment sem crime; que sustentamos uma farsa judicial e midiática para tirar do páreo o candidato líder nas pesquisas.

Não fomos nós os responsáveis, ativos ou omissos, pela eleição de um candidato que tem ojeriza à democracia; que foi poupado de enfrentar o debate de propostas, que montou uma indústria de mentiras com dinheiro sujo, sob a complacência da mesma Justiça Eleitoral que, desacatando uma decisão da ONU, cassou o candidato que poderia derrotá-lo.

São essas pessoas que agora nos dizem para não polarizar o país. Como se polarização fosse sinônimo de extremismo político e ideológico. Como se o Brasil já não estivesse há séculos polarizado entre os poucos que têm tudo e os muitos que nada têm. Como se fosse possível não se opor a um governo de destruição do país, dos direitos, da liberdade e até da civilização.

Aos que criticam ou temem a polarização, temos que ter a coragem de dizer: nós somos, sim, o oposto de Bolsonaro. Não dá para ficar em cima do muro ou no meio do caminho: somos e seremos oposição a esse governo de extrema-direita que gera desemprego e exige que os desempregados paguem a conta.

Somos e seremos oposição a um governo que rasga direitos dos trabalhadores e reduz o valor real do salário mínimo. Que aumenta a extrema pobreza e traz de volta o flagelo da fome. Que destrói o meio ambiente. Que ataca mulheres, negros, indígenas e a população LGBT; ataca qualquer um que ouse discordar.

Somos, sim, radicais na defesa da soberania nacional, da universidade pública e gratuita, do Sistema Único de Saúde, público, gratuito e universal. Nós não somos meia oposição; somos oposição e meia aos inimigos da educação, da cultura, da ciência e da tecnologia. Nós não aceitamos mais censura, tortura, AI-5 e perseguição a adversários políticos.

Andam negando essa verdade científica, mas a Terra é redonda e nós estamos, sim, em polos opostos: enquanto eles semeiam o ódio, nós vamos mostrar a eles o que o amor é capaz de fazer por este país.

Companheiras e companheiros,

Já foi dito que o PT nasceu para mudar o Brasil. E mudou. Porque trazemos na origem o compromisso com os trabalhadores, com os mais pobres, com os que carregaram ao longo de séculos o peso da exclusão e da desigualdade. Porque pela primeira vez fizemos um governo para todos os brasileiros e brasileiras, e isso fez toda a diferença em nosso país.

Se fosse para governar apenas para uma parte da população, o Brasil não precisaria do PT.

Para o mercado decidir quem pode e quem não pode se aposentar, quanto vai custar o gás de cozinha, o combustível, a energia elétrica, visando somente o lucro, o Brasil não precisaria do PT.

Se fosse para entregar ao estrangeiro as riquezas naturais, o petróleo, as águas, as empresas que o povo brasileiro construiu, o Brasil não precisaria do PT.

Se fosse para queimar a floresta, envenenar a comida com agrotóxicos, deixar impunes crimes como os de Marielle, Mariana, Brumadinho, ignorar desastres como o óleo no litoral do Nordeste, quem precisaria do PT?

Para o filho do rico estudar nas melhores universidades do mundo e o filho do trabalhador ter de largar a escola pra sustentar a família, o Brasil não precisaria do PT.

Se é para alguns terem mansão em Miami e muitos viverem debaixo do viaduto; para o rico ficar isento até do imposto de herança e o trabalhador carregar o peso do imposto de renda, o Brasil não precisaria do PT.

Para manter a mais escandalosa concentração de renda do planeta Terra, para o rico continuar cada vez mais rico e o pobre ficar cada dia mais pobre, aí mesmo é que o Brasil não precisaria do PT.

Porque o maior inimigo do Brasil hoje e desde sempre é a desigualdade, esse vergonhoso fosso em que 1% da população detém 30% da renda nacional e para a metade mais pobre sobram 17%, as migalhas de um banquete indecente.

Mas se este país quer superar a chaga imensa da desigualdade, recuperar a soberania e o seu lugar no mundo, se quer voltar a crescer em benefício de todos os brasileiros e brasileiras, o Partido dos Trabalhadores é mais do que necessário: ele é imprescindível.

Esta é a enorme responsabilidade que estamos recebendo. O Brasil nunca precisou tanto do PT. E o PT tem de ser grande o bastante para corresponder ao que o país espera de nós. Tem de estar unido, forte e cada vez mais conectado com o povo brasileiro.

Temos a responsabilidade de renovar o partido, compreender o que mudou na sociedade brasileira nesses 40 anos e buscar as respostas para os novos desafios. Fomos forjados na luta em defesa da classe trabalhadora.

O peso da injustiça recai hoje sobre os motoristas de aplicativos, os jovens que perdem a saúde e arriscam a vida fazendo entregas em motos, bicicletas, ou mesmo a pé. Os que não têm a quem recorrer por seus direitos, porque a única relação de trabalho que conhecem não é a carteira profissional, mas um telefone celular que ele precisa recarregar desesperadamente.

Esse é o lugar que resta aos deserdados de um modelo neoliberal excludente, cada vez mais desumano. Um mundo em que o mercado é deus e em que a solidariedade deixa de ser um valor universal, substituída por uma competição individualista feroz.

É com esse mundo novo que o PT precisa dialogar, sem abrir mão de nossos compromissos históricos, mantendo os pés firmes no presente e mirando sempre o futuro. Se as formas de exploração mudaram, a injustiça e a desigualdade permanecem e são cada vez mais cruéis. Temos de estar mais organizados, mais fortes, conscientes e mais decididos do que nunca a construir um país mais generoso, solidário e mais justo. É por isso que o Brasil precisa tanto do PT.

Companheiras e companheiros,

Salvar o país da destruição e do caos social que este governo está produzindo não é tarefa para um único partido. Fomos eleitos e governamos em aliança com outras forças do campo popular e democrático. Por mais que tentem nos isolar, estamos juntos na oposição com partidos da centro-esquerda e estamos com os movimentos sociais, as centrais sindicais e importantes lideranças da sociedade.

Embora tantos tenham cometido erros antes e depois dos nossos governos, é somente do PT que exigem a autocrítica que fazemos todos os dias. Na verdade, querem de nós um humilhante ato de contrição, como se tivéssemos de pedir perdão por continuar existindo no coração do povo brasileiro, apesar de tudo que fizeram para nos destruir. Preciso dizer algumas verdades sobre isso.

O maior erro que nós cometemos foi não ter feito mais e melhor, de uma forma tão contundente que jamais fosse possível esse país voltar a ser governado contra o povo, contra os interesses nacionais, contra a liberdade e a democracia, como está sendo hoje.

Deveríamos ter feito mais universidades do que fizemos, mais reforma agrária, mais Luz Pra Todos, mais Minha Casa Minha Vida, mais Bolsa Família e mais investimento público.

Teríamos de ter conversado muito mais com o povo e com os trabalhadores, conversado mais com os jovens que não viveram o tempo em que o Brasil era governado para poucos e não para todos.

Também tínhamos de ter trabalhado muito mais para democratizar o acesso à informação e aos meios de comunicação, apoiado mais as rádios comunitárias, fortalecido mais a televisão pública, a imprensa regional, o jornalismo independente na internet.

Antes que a Rede Globo me acuse outra vez pelo que não disse nem fiz, não ousem me comparar ao presidente que eles escolheram. Jamais ameacei e jamais ameaçaria cassar arbitrariamente uma concessão de TV, mesmo sendo atacado sem direito de resposta e censurado como sou pelo jornalismo da Globo.

Eu sempre disse que jamais teria chegado onde cheguei se não tivesse lutado pela liberdade de imprensa. Hoje entendo, com muita convicção, que liberdade de imprensa tem de ser um direito de todos, não pode ser privilégio de alguns.

Não pode um grupo familiar decidir sozinho o que é notícia e o que não é, com base unicamente em seus interesses políticos e econômicos.

Entendo que democratizar a comunicação não é fechar uma TV, é abrir muitas. É fazer a regulação constitucional que está parada há 31 anos, à espera de um momento de coragem do Congresso Nacional. É fazer cumprir a lei do direito de resposta. E é principalmente abrir mais escolas e universidades, levar mais informação e consciência para que as pessoas se libertem do monopólio.

Enfim, penso que teríamos de ter lutado com mais vontade e organização, fortalecido ainda mais a democracia, para jamais permitir que o Brasil voltasse a ter um governo de destruição e de exclusão social como voltou a ter desde o golpe de 2016.

A autocrítica que o Brasil espera é a dos que apoiaram, nos últimos três anos, a implantação do projeto neoliberal que não deu certo em lugar nenhum do mundo, que vai destruir a previdência pública e que ao invés de gerar os empregos que o povo precisa está implantando novas formas de exploração.

A autocrítica que a democracia e o estado de direito esperam é daqueles que, na mídia, no Congresso, em setores do Judiciário e do Ministério Público, promoveram, em nome da ética, a maior farsa judicial que este país já assistiu.

O mundo hoje sabe que, ao contrário de combater a impunidade e a corrupção, a Lava Jato corrompeu-se e corrompeu o processo eleitoral e uma parte do sistema judicial brasileiro. Deixou impunes dezenas de criminosos confessos que Sérgio Moro perdoou e que continuam muito ricos.

Como podem dizer que combateram a impunidade se soltaram pelo menos 130 dos 159 réus que ele mesmo havia condenado? Negociaram todo tipo de benefício com criminosos confessos, venderam até o perdão de pena que a lei não prevê, em troca de qualquer palavra que servisse para prejudicar o Lula.

Que ética é essa que condena 2 milhões de trabalhadores, sem apelação, destruindo empresas para salvar os patrões acusados de corrupção?

Não tem moral, não tem autoridade para discutir ética quem deu cobertura aos procuradores de Deltan Dallagnol e Rodrigo Janot quando eles entregaram a Petrobrás aos tribunais dos Estados Unidos, um crime de lesa-pátria que já custou quase 5 bilhões de dólares ao povo brasileiro.

Temos muito o que falar sobre ética, sobre combate à corrupção e à impunidade. Mas acima de tudo temos que falar a verdade.

Meus amigos e minhas amigas,

Alguns professores de deus defendem um modelo suicida de austeridade fiscal e redução do estado, que não deu certo em nenhum lugar do mundo. Tiveram o apoio da mídia e das instituições para culpar os governos do PT por tudo de ruim que havia no Brasil. Mentiram que tirando o PT do governo tudo se resolveria, por obra do mercado e do ajuste fiscal. E os problemas se agravaram ainda mais.

Os indicadores econômicos do Brasil pioraram: a balança comercial em queda, a economia paralisada, setores da indústria destruídos, o investimento público e privado inexistente, o rombo nas contas aumentado irresponsavelmente por razões políticas. O custo de vida dos pobres aumentou e as pessoas voltaram a cozinhar com lenha porque não podem comprar um botijão de gás.

É preciso dizer umas verdades sobre isso também.

A primeira delas é que o Brasil só não quebrou ainda por causa da herança dos governos do PT. Por causa dos 370 bilhões de dólares em reservas internacionais que acumulamos e querem queimar na conta dos juros. Por causa dos mercados internacionais que abrimos e que uma política externa irresponsável está fechando. Por causa do pré-sal que descobrimos e que estão vendendo na bacia das almas.

O Brasil só não está passando por uma convulsão social extrema por causa da herança dos governos do PT. Porque não conseguiram acabar com o Bolsa Família, último recurso de milhões de deserdados. Porque milhões de famílias ainda produzem no campo, para onde levamos água, energia, tecnologia e recursos em nosso governo. E também porque não conseguiram destruir ainda os sistemas públicos de saúde, educação e segurança, mas fatalmente isso irá ocorrer pela criminosa política de cortes do investimento público.

Sempre acreditei que o povo brasileiro é capaz de construir uma grande Nação, à altura dos nossos sonhos, das nossas imensas riquezas naturais e humanas, neste lugar privilegiado em que vivemos. Já provamos que é possível enfrentar o atraso, a pobreza e a desigualdade, desafiando poderosos interesses contrários ao país e ao povo.

Soberania significa independência, autonomia, liberdade. O contrário é dependência, servidão, submissão. É o que está acontecendo hoje. Estão entregando criminosamente a outros países as empresas, os bancos, o petróleo, os minerais e o patrimônio que pertence ao povo brasileiro. Trair a soberania é o maior crime que um governo pode cometer contra seu país e seu povo.

A Petrobrás está sendo vendida em fatias a suas concorrentes estrangeiras.

Fiquem alertas os que estão se aproveitando dessa farra de entreguismo e privatização predatória, porque não vai durar para sempre. O povo brasileiro há de encontrar os meios de recuperar aquilo que lhe pertence. E saberá cobrar os crimes dos que estão traindo, entregando e destruindo o país.

Tão importante quanto defender o patrimônio público ameaçado é preservar os recursos naturais e nossa riquíssima biodiversidade. Utilizar esse patrimônio, fonte de vida, com responsabilidade social e ambiental.

Um país que não garante educação pública de qualidade a todas as suas crianças, adolescentes e jovens não se prepara para o futuro.

Mas parece que enfiaram o Brasil à força numa máquina do tempo e nos enviaram de volta a um passado que a gente já tinha superado. O passado da escravidão, da fome, do desemprego em massa, da dependência externa, da censura, do obscurantismo.

O Brasil precisa embarcar de volta para o futuro. E não tem ninguém melhor para pilotar essa máquina do tempo do que a juventude desse país. Porque essa juventude, seja ela branca, negra ou indígena, ela quer ensino de qualidade, quer adquirir conhecimento, quer de volta as oportunidades de trabalho digno, sem alienação e sem humilhações.

Essa juventude quer e merece um mundo melhor do que este em que estamos vivendo.

Hoje me coloco à disposição do Brasil para contribuir nessa travessia para uma vida melhor, vida em plenitude, especialmente para os que não podem ser abandonados pelo caminho.

Sem ódio nem rancor, que nada constroem, mas consciente de que o povo brasileiro quer retomar a construção de seu destino; de que temos de fazer juntos um Brasil soberano, democrático, justo, em que todos e todas tenham oportunidades iguais de crescer e sonhar.

O futuro será nosso, o futuro será do Brasil!

Muito obrigado!

Luiz Inácio Lula da Silva

sexta-feira, 22 de novembro de 2019



Ao ZMB

Porque os outros se mascaram mas tu não
E o poema faz falta na cidade
lembro os dias do sonho imaginário
presidindo ao improviso generoso
por esse país fora feito estrada
e todos nós em busca da verdade


O motivo era mais do que um aviso
era levar a palavra que é preciso
erguer o sonho e largar a barricada.

De tudo o que sobrou, tenho a memória
cá dentro - junto à tal inquietação
q foi tudo justo e bom, lindo e sentido;
e que hoje escreveria a mesma historia
repetindo mil vezes essa opção
mãos livres, peito aberto – esse o partido.

Tal o encanto, que não ficou um recanto
Onde faltasse a força desse canto
Que levámos em canções e poesia
A tantos sítios remotos onde se ia…

Inventámos os palcos onde fomos
truões e avisadores do q é preciso
a troco tantas vezes dum sorriso
simples sentir duma pátria convivida
selando contas de estrada e paraíso
com um almoço e um abraço à despedida

Do arrepio e das achas q acendemos
outros ganhos, outros cargos, outra gente
tomou conta, devagar e bem diferente
dos valores, decisões, gostos e fama.
Frívolas gentes, medíocres passatempos
Nos anestesiam até irmos para a cama

Desse tempo em q as vozes gritavam com paixão
Deixou de haver encanto e coragem na canção

Hoje vejo os amigos que sobraram
Lutando com armas tão magras, desiguais
Como nunca noutro tempo acreditaram

Para mim, sinto ainda no meu peito
os milhares de abraços e palavras
e às vezes aplausos - sempre demais -
q ao longo desta vida fui colhendo...
e isso basta-me, q não preciso mais.

Mas, a cada um q parte, outro envelhece;
e como outro espaço maior não aparece
sobra a ironia que nos vai cabendo;
Ficam o sonho, o recado, os ideais...
pois é.
mas os cantores de Abril… lá vão morrendo.

Pedro Barroso

quarta-feira, 20 de novembro de 2019


Zé Mário, poeta e músico, em sua nova jornada, viverá na posteridade através da sua música. E nós, através do poder de sua palavra penetramos no mais secreto da existência.
E a Poesia? A Poesia é o que fica e nos consola, a consciência da ausência. A Poesia é o que nos leva e enleva...
“Mesmo no silêncio
Sabemos cantar
Povo por extenso
É unidade popular

Somos sete rios
Rios de certeza
Vamos lá cantando
No fragor da correnteza”

Eduardo Casanova

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Abolição da escravidão em 1888 foi votada pela elite evitando a reforma agrária, diz historiador

Amanda Rossi
Da BBC Brasil em São Paulo


13 maio 2018

Direito de imagemTHE NEW YORK PUBLIC LIBRARYImage captionEscravos trabalham em uma plantação de café no Brasil

Em 13 de maio de 1888, há 130 anos, o Senado do Império do Brasil aprovava uma das leis mais importantes da história brasileira, a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão. Não era apenas a liberdade que estava em jogo, diz o historiador Luiz Felipe de Alencastro, um dos maiores pesquisadores da escravidão no Brasil. Outro tema na mesa era a reforma agrária.

O debate sobre a repartição das terras nacionais havia sido proposto pelo abolicionista André Rebouças, engenheiro negro de grande prestígio. Sua ideia era criar um imposto sobre fazendas improdutivas e distribuir as terras para ex-escravos. O político Joaquim Nabuco, também abolicionista, apoiou a ideia. Já fazendeiros, republicanos e mesmo abolicionistas mais moderados ficaram em polvorosa.
Especial 130 anos da abolição: A luta esquecida dos negros pelo fim da escravidão no Brasil

"A maior parte do movimento republicano fechou com os latifundiários para não mexer na propriedade rural", diz Alencastro. Foi aí que veio a aprovação da Lei Áurea, sem nenhuma compensação ou alternativa para os libertos se inserirem no novo Brasil livre. "No final, a ideia de reforma agrária capotou."

Nesta entrevista para a BBC Brasil, o historiador fala ainda sobre a origem da violência do Estado atual contra os negros, afirma que a escravidão saiu da pauta e passou a ser vista como um passado distante, apesar de não ter acabado há tanto tempo assim, e critica o uso da palavra "diversidade" para se referir aos negros. "Falar de diversidade é considerar que os negros são uma minoria, como nos Estados Unidos. Mas no Brasil eles são a maioria. É muito mais que diversidade, é democracia".

Alencastro é hoje professor da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. É também professor emérito da universidade de Paris Sorbonne, onde lecionou por 14 anos, e autor do livro O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil - Como entender que o Brasil tenha sido o último país a abolir a escravidão nas Américas?

Luiz Felipe de Alencastro - O Brasil foi o último porque foi o que mais importou africanos - 46% de todos que foram trazidos coercitivamente para as Américas. Esse volume assombroso de africanos que chegou aqui acorrentado era considerado como uma propriedade privada. Isso cria uma dinâmica em que a propriedade escrava era muito importante. Muita gente tinha escravos. Nas cidades havia gente remediada que tinha um ou dois escravos. Os estudos mostram que a propriedade escrava no Brasil era muito mais difundida que na Jamaica ou no Sul dos Estados Unidos. Assim, muita gente, e não só os fazendeiros, achava que o país ia se arruinar se parasse de trazer africanos. Quase tudo dependia do trabalho escravo e da chegada dos africanos.
Por que a palavra 'descobrimento' renovou polêmica em Portugal sobre a conquista de terras como o Brasil

O Haiti é um caso limite, porque é primeiro país americano que chega à independência, com uma revolução feita pelos escravos (iniciada em 1791). É a única insurreição de escravos que chega ao poder no mundo. Já nos outros países em volta do Brasil, a escravidão não era importante. E era importante no Sul dos Estados Unidos.

BBC Brasil - Qual a diferença do processo de abolição no Brasil e nos Estados Unidos, em 1863?

Alencastro - No Brasil, a escravidão não era como nos Estados Unidos. Lá, a escravidão era regional, no Sul. No restante do país, havia uma economia agrícola independente e movimentos abolicionistas. Já no Brasil a escravidão era nacional, no país inteiro, e não havia um setor camponês independente. Por isso, o abolicionismo não tinha como crescer em regiões circunvizinhas às zonas escravistas. Como foi nos Estados Unidos? O norte do país, não escravista, elegeu Abraham Lincoln, do partido republicano, e que era contrário à expansão do escravismo nos novos territórios dos EUA e buscava uma solução negociada para extingui-lo nos estados onde ele existia. Isso causou a ruptura dos estados sulistas com a União. Ocorreu então uma guerra civil para acabar com a escravidão, uma guerra sangrenta, que traumatiza até hoje o país. Aqui não existia nenhuma parte do território em que a escravidão fosse ilegal. Então, mesmo que houvesse 60 escravos no Amazonas na mão de alguns senhores, esse grupo fechava com o partido escravocrata no Parlamento. Havia uma espécie de união nacional em torno do tráfico negreiro e da escravidão.Direito de imagemTHE NEW YORK PUBLIC LIBRARY DIGITAL COLLECTIONSImage captionFotografia de família escrava nos Estados Unidos, data desconhecida

BBC Brasil - Já se disse que as grandes transformações do Brasil ocorreram sem participação popular, pelas mãos da elite política e econômica. A independência, a abolição, a República. Mas isso é verdade para a abolição?

Alencastro - José Bonifácio de Andrada, que era uma espécie de primeiro-ministro logo depois da independência do Brasil, mandou um projeto para a Assembleia Constituinte, prevendo a abolição progressiva do tráfico e da escravidão. Já naquele momento, a classe dirigente, o corpo da administração imperial tinham perfeita noção de que manter o tráfico de escravos criaria um impasse. Porque a Inglaterra deixara claro que só reconheceria a independência se o Brasil acabasse com o tráfico. E o governo inglês, nessa época, tinha uma importância enorme. Era como se fosse a ONU (porque garantia o reconhecimento diplomático internacional), o FMI (porque emprestava dinheiro para o governo) e a OIT (porque vetava a importação de africanos, mão-de-obra essencial no Brasil) juntos, com uma força naval que desde a batalha de Trafalgar (1805) mandava em todos os mares.

Quando a Inglaterra começou a pressionar mais fortemente, os dirigentes brasileiros cederam, prometendo acabar com o tráfico a médio prazo. Em 1831 é votado o fim do tráfico. Porém, sobretudo no Rio, e em menor medida na Bahia e no Recife, se organizam redes de comércio semiclandestino de escravizados africanos. Só em 1850, o comércio de africanos acabou de fato. Acabou de uma vez. Caiu de 60 mil africanos desembarcados em 1849 para 6 mil em 1851. Como? Porque houve um conchavo entre traficantes e governo. Se amanhã acabar o tráfico de cocaína na Colômbia, não é porque o consumo de cocaína acabou e de um dia para o outro os policiais ficaram virtuosos.

BBC Brasil - Que conchavo foi esse?

Os traficantes foram prevenidos antes que o tráfico ia acabar e foram tirando o dinheiro. Houve uma negociação entre a classe dirigente (a administração imperial) e a classe dominante (os fazendeiros, as oligarquias regionais). O governo propôs uma lei de imigração para trazer trabalhadores rurais, uma estrada de ferro na região cafeeira - porque o transporte era feito em lombo de mula - e a redução das tarifas de exportação de café.

BBC Brasil - Depois que o tráfico acabou, qual passou a ser a estratégia do Império?

Alencastro - Quando acaba o tráfico de escravos, acaba a fonte externa de reprodução do sistema escravista. Depois há a Lei do Ventre Livre em 1871 (que declarou livres os filhos de mães escravas que nascessem a partir daquela data). Isso estanca outra fonte de reprodução da escravidão, que é a reprodução demográfica interna. Dessa forma, houve uma estratégia gradualista para acabar com a escravidão.

Este gradualismo se resume nesta ideia: a escravidão acaba quando o último escravo morrer. Essa era a estratégia do Império. Aí ninguém perde dinheiro. Mas surge então o abolicionismo. É um movimento como as Diretas já!: Abolição já! Não tem que esperar até o último escravo morrer para acabar com a escravidão. Vamos abolir já, e sem indenização para os proprietários de escravos. Joaquim Nabuco (político abolicionista) afirmou que o Brasil não tinha dinheiro para pagar pelos crimes que cometeu.Direito de imagemBBC BRASILImage captionLuiz Felipe de Alencastro, autor de 'Trato dos Viventes', é um dos maiores especialistas em escravidão

BBC Brasil - Qual foi a participação do movimento abolicionista? E o povo, participou?

Alencastro - O abolicionismo se acentuou na década de 1880. Há importante liderança negra. Luís Gama, André Rebouças, José do Patrocínio, que se batiam nos tribunais e nos jornais. Esses são os heróis. Também há muita gente anônima que participou. Houve movimentos organizados para dar fuga a escravos, por exemplo. Aqui em São Paulo, havia o grupo do Antônio Bento, os Caifazes. Havia um grupo em Recife, que ajudava os escravos a fugirem para o Ceará, onde a maioria dos municípios já não tinha mais escravos desde 1884 e onde os escravocratas eram minoritários. Já o Rio de Janeiro era a província onde o escravismo era mais renitente. Em São Paulo, o oeste do Estado já estava apostando na imigração porque havia muita fuga, e a fuga é uma forma de revolta, dos escravos comprados no Nordeste. Essas ações acentuaram a crise do escravismo.

BBC Brasil - Também se falava de reforma agrária, dar terras para os ex-escravos.

Alencastro - A reforma agrária não estava na pauta da maioria dos abolicionistas. Foi uma radicalização de uma parte minoritária. André Rebouças, um engenheiro negro com muito prestígio, tinha um programa para criar um imposto territorial sobre as fazendas improdutivas e fundar cooperativas de pequenos camponeses. Nabuco, nos anos 1880, foi porta-voz dessas reinvindicações. Mas no final, a ideia de reforma agrária capotou.

BBC Brasil - Por quê?

Alencastro - A maior parte do movimento republicano fechou com os latifundiários para trazer imigrantes que trabalhassem nas fazendas e não mexer na propriedade rural. Essa virada dos republicanos jogou Nabuco, Rebouças e outros no escanteio e os fez apoiar a monarquia até o fim. Depois disso, (no livro) Minha Formação (1900), Nabuco renega sua juventude abolicionista e faz uma declaração monarquista que constitui uma das frases mais infames da história da política brasileira: "Tenho convicção de que a raça negra por um plebiscito sincero e verdadeiro teria desistido de sua liberdade para poupar o menor desgosto aos que se interessavam por ela, e que no fundo, quando ela pensa na madrugada de 15 de novembro (data da proclamação da República), lamenta ainda um pouco o seu 13 de maio".Direito de imagemMUSEU AFRO BRASILImage captionAndré Rebouças defendia dar terras para os escravos que fossem libertos

BBC Brasil - O projeto de reforma de Rebouças e Nabuco poderia ter ido para frente?

Alencastro - A relação de forças não era favorável. Não havia um movimento camponês a favor da reforma agrária, ou uma base popular lutando pelo o direito à terra. No final das contas, o Brasil é um dos únicos grandes países agroexportadores que nunca fez reforma agrária.

BBC Brasil - Além do campo, também havia muita escravidão nas cidades?

Alencastro - Se você somar a proporção de escravos do Rio com a de Niterói, você tem uma concentração urbana de escravos que não existiu em nenhum outro lugar no mundo, só no Império Romano. No Brasil, a escravidão também tinha essa característica urbana, em uma escala que não ocorreu nas Américas. A escravidão marcava as cidades. Em 1849, o Rio tinha 260 mil habitantes, 110 mil dos quais eram escravos. Isso dá 42% da população.

BBC Brasil - Como foi o dia seguinte à abolição? O que aconteceu com os escravos que se viram livres em 13 de maio de 1888, mas sem compensações, sem apoio do Estado para começar uma vida nova?

Alencastro - Na sequência da abolição, a mão de obra imigrante vai aumentando. Muitos ex-escravos ficam fora do mercado de trabalho na zona rural e, em parte, nas cidades. Mesmo sendo brasileiros, os ex-escravos não tiveram cidadania plena, porque a sua quase totalidade era analfabeta, e o voto do analfabeto foi proibido em 1882, ainda no Império. Este ferrolho para excluir os negros livres e os ex-escravos também atingiu os brancos pobres e analfabetos, como é óbvio. Até 1985, quando o voto deles foi permitido.

BBC Brasil - A escravidão foi um processo de muita violência. Essa violência usada contra os negros acabou quando a escravidão chegou ao fim?

Alencastro - A Constituição brasileira de 1824, no art. 179, proibiu punir crimes com castigo físico. A partir daquele momento, não se podia mais torturar - a inquisição portuguesa havia institucionalizado a tortura como prova, até a pessoa confessar. Vem então o Código Criminal de 1830 que especifica no art. 30: se o condenado for escravo ele não vai para a cadeia, a pena é transformada em açoite. Isso porque se o escravo fosse para cadeia, causaria uma perda de mão-de-obra e dinheiro para o seu senhor. Assim, o escravo era açoitado publicamente, humilhado, torturado. Depois, semanas depois, quando estivesse reestabelecido (do açoitamento), o escravo voltava a trabalhar. Então, a tortura foi legal no Brasil até 1888, mas só para os escravos. Quando a abolição ocorre, a polícia já estava habituada a bater neles. Neles e nos brancos desfavorecidos. Como no caso do voto do analfabeto citado acima, os mecanismos da repressão escravista contaminam a sociedade inteira.Direito de imagemTHE NEW YORK PUBLIC LIBRARY DIGITAL COLLECTIONSImage captionA tortura era proibida contra brancos; para os escravos, a punição era o açoite

BBC Brasil - Cerca de 4,8 milhões de africanos aportaram como escravos no Brasil. É muito mais que em qualquer outro lugar no mundo. Nos Estados Unidos, foram menos de 400 mil. Por que a vinda de escravos para o Brasil foi tão grande?

Alencastro - São vários fatores. Do ponto de vista da navegação, há um sistema de correntes e ventos que aproxima muito o Brasil da África. A viagem de ida e volta para os portos brasileiros era 40% mais curta do que a dos navios saindo das Antilhas ou dos Estados Unidos, os quais enfrentavam turbulências na ida e na volta, quando atravessavam a zona equatorial. O Brasil também tinha mercadorias que eram trocadas por escravos, como tabaco e cachaça. Outro fator importante são as conexões do Brasil com os portos africanos. Quando a Corte portuguesa veio para cá, o Rio de Janeiro se tornou a capital do império português - isso incluía Angola, Moçambique... Também havia bases mercantis de interesse brasileiro lá - muito mais associadas ao Brasil do que a Portugal. Isso os americanos nunca tiveram. O negócio negreiro dos Estados Unidos era muito mais controlado pelos ingleses.

O terceiro fator é o boom do café, que aumentou muito o tráfico negreiro para o Centro-Sul do Brasil. Quem estava financiando isso em última instância? O operário e a classe média inglesa, francesa, russa, que estavam tomando café mais frequentemente. O café do Brasil não tinha concorrência. A partir de 1840, o Brasil vira o maior produtor mundial de café - e é o maior até hoje. Não foi assim com o ciclo do açúcar, que sofria concorrência das Antilhas.

BBC Brasil - Os próprios africanos participaram do comércio de escravos, não?

Alencastro - Os africanos desenvolviam comércio de escravos localizado, limitado aos circuitos regionais das zonas econômicas africanas. A articulação desse comércio interno ao comércio Atlântico - que era um dos setores mais dinâmicos da economia mundial, com companhias formadas, com acionistas investindo pesado - criou uma demanda de escravos que exacerbou o tráfico interno africano. Também houve a importação de armas europeias, dando maior impacto aos conflitos internos, que eram os mecanismos de criação mercantil de escravos. O comércio atlântico negreiro era um comércio totalmente europeu e brasileiro. Nunca houve um navio africano vendendo escravo nos portos das Américas.

BBC Brasil - Como a escravidão explica o país e a sociedade que o Brasil se tornou?

Alencastro - O tráfico negreiro em si explica muita coisa. Explica a unidade nacional, por exemplo. Quem quisesse se separar do governo do Rio de Janeiro, da Coroa, já sabia por antecipação que ia sofrer pressão da Inglaterra quando ficasse independente e teria que acabar com o tráfico. Quem estava melhor posicionado para moderar a pressão inglesa contra o tráfico transatlântico de africanos? O governo do Rio de Janeiro. Uma monarquia que tinha corpo diplomático bem plantado na Europa e era a única representante do sistema monárquico europeu nas Américas. A unidade nacional brasileira é um fenômeno inédito nas Américas. Falava-se a mesma língua. Mas da Patagônia até a Califórnia também se falava a mesma língua, o espanhol, e os quatro vice-reinos espanhóis se fragmentaram virando 19 países.

Mas não é só. O tráfico também explica boa parte da diferença entre o Centro-Sul e o Nordeste do Brasil. O sucesso do primeiro não é porque teve mais espírito comercial. É por causa do café, mas também porque a rede negreira fluminense era mais extensa e mais eficaz na África que a dos negreiros pernambucanos ou baianos. Por isso, o café pode se expandir tanto.

BBC Brasil - 130 anos é pouco tempo, só cerca de quatro gerações. Mesmo assim, parece muito distante. Por que temos a impressão de que a escravidão é um passado tão longínquo?

Alencastro - Eu conheci gente em Goiás que falava do tempo da escravidão. E há depoimentos de ex-escravos colhidos no Paraná, nos anos 1950. Por que parece que é tão longe? Logo depois da abolição o assunto saiu de pauta. Salvo para se ensinar que a abolição foi uma generosidade da Coroa, do governo, da redentora princesa Isabel. Daí o motivo do movimento negro ter proposto a troca do 13 de maio pelo 20 de novembro (Dia da Consciência Negra), da princesa Isabel por Zumbi - numa luta política significativa. E depois veio também a imigração, criou-se uma outra história popular que não deixava muito espaço para a história dos afro-brasileiros.

BBC Brasil - A abolição foi uma farsa?

Alencastro - A abolição teve limites. Mas ela ocorreu, não foi farsa. Seria como dizer que a República foi uma farsa, que não acabou com a monarquia. A abolição acabou com a aberração gerada por um quadro institucional e legal que permitia uma pessoa ter como propriedade outra pessoa e seus descendentes, de maneira perpétua. A abolição também não foi uma benevolência da princesa ou do governo. A monarquia já estava caindo, fez uma última manobra e caiu ao tentar captar a plataforma abolicionista para enfraquecer o movimento republicanoDireito de imagemTHE NEW YORK PUBLIC LIBRARY DIGITAL COLLECTIONSImage caption4,8 milhões de africanos foram transportados para o Brasil e vendidos como escravos, ao longo de mais de três séculos

BBC Brasil - O senhor é defensor das cotas...

Alencastro - O meu argumento das cotas é que elas são fundamentais para os negros, para os índios e para os pobres e os brasileiros em geral. São elas que vão consolidar a democracia plena no Brasil, com acesso à educação e ao trabalho.

BBC Brasil - Há quem defenda cotas por renda, não por cor...

Alencastro - A cota social apareceu como um argumento substitutivo dos que não queriam apoiar a cota racial. Ninguém falava em cota social no Brasil antes do movimento negro levantar a bandeira da política afirmativa racial - a favor dos negros e também dos índios, é importante lembrar. Trata-se de uma política baseada nas estatísticas étnicas dos Estados. Na região amazônica a proporção de jovens de origem indígena é importante, e as cotas favoreceram a entrada deles nas universidades federais.

O Supremo Tribunal Federal votou unanimemente pela constitucionalidade das cotas, em 2012. Raras decisões do Supremo são unânimes. Juridicamente, a situação estava definida: os negros não sofrem descriminação legal, mas há mecanismos informais que os descriminam e desqualificam de forma óbvia.

O censo de 2010 mostrou que a maioria da população é negra. Esse dado deve ser bem observado pela maioria dos progressistas e por setores do movimento negro que consideram a política afirmativa como um instrumento em favor da diversidade. É muito mais do que isso. É um instrumento em favor da democracia, do funcionamento do Estado, que favorece o país inteiro. Achar que ela garante a diversidade é considerar que os negros são uma minoria, como nos Estados Unidos. Mas no Brasil eles são a maioria.

BBC Brasil - O senhor também defende o ensino de história da África nas escolas.

Alencastro - A maioria das pessoas que chegaram aqui são africanos. É esse o dado que os professores têm que dar em reunião de pais e mestres, quando perguntam por que perder tempo com história da África. Ora, porque a África é mais importante para a formação do povo brasileiro do que a Ásia e boa parte da Europa e das Américas.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Per te - Trio Amadeus (Composição própria)

BOLÍVIA CRIA LEI QUE CONSIDERA A MÃE TERRA UM SER VIVENTE.





O presidente da Bolívia, Evo Morales, promulgou uma lei que cria a Defensoria da MÃE TERRA, na qual detalha como se deve viver em harmonia e equilíbrio com a natureza
A nova lei considera que a Mãe Terra é “sagrada” e um “sistema vivo dinâmico”.

A lei também inclui o conceito de “justiça climática” para reconhecer o direito de reivindicar um desenvolvimento integral ao povo boliviano e as pessoas afetadas pela mudança climática.

Ele também cria um Fundo Multinacional da MÃE TERRA e outro de Justiça Climática para obter e administrar recursos financeiros estaduais e estrangeiros para impulsionar ações sobre a mudança climática.

Ele também afirma que “as terras públicas serão dotadas, distribuídas e redistribuídas de maneira equitativa com prioridade para as mulheres, os povos indígenas originários camponeses, comunidades interculturais e afro-bolivianos que não possuem terra.“

Também é proposto “a eliminação da concentração de propriedade da terra ou latifúndios e outros componentes da Mãe Terra nas mãos de latifundiários“.

Além disso, estabelece a regulação e controle da “extrangeirização da propriedade“, bem como o acesso e uso dos componentes da MÃE TERRA, e consideram que as atividades econômicas como mineração e petróleo devem ser enquadrados nesta esta lei.

Quem causar dano acidental ou intencional a Mãe Terra ou de seus “sistemas vivos” deve garantir a reabilitação das áreas, caso contrário, sofrerá responsabilidades legais.

A Nova lei declara que crimes relacionados com a MÃE TERRA são “inalienáveis“, que não se aplica a eles o benefício da suspensão condicional da pena e os reincidentes terão sanções mais graves.

Há dois anos, Morales promulgou uma lei que concede “direitos” a MÃE TERRA ou Pachamama, como se fosse uma pessoa, incluindo o direito à vida, a diversidade, água, ar puro, ao equilíbrio, a restauração e a viver livre de contaminação.

A Bolívia se opôs abertamente aos acordos alcançados durante a cúpula climática da ONU em Cancún, no México, em dezembro de 2010, já que considerou que as medidas adotadas não eram contundentes para frear os danos da mudança climática. Pedia que os países desenvolvidos se comprometessem a reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 50% antes de 2020.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Roy Orbison - California Blue

E tu, que apontas o dedo e julgas, viveste e vives onde e com que conforto?

por José Pereira (zedebaiao.com), em 09.11.19

Esta mãe não abandonou o filho. Deixou-o na única casa/abrigo que conheceu. Que foi o contentor do lixo, de onde se alimentava.


A mãe viveu e vive no lixo, o bebé foi encontrado no lixo, quem o encontrou foi o sem-abrigo que sobrevive do lixo.

E nós, que nos apressamos a apontar o dedo e a julgar, crescemos e vivemos onde e com que conforto?

De quem será a responsabilidade?

Sou técnico de acção social há mais de 20 anos e não posso permitir que se atribua toda a responsabilidade a esta jovem mãe de 22 anos. Uma mãe que nunca teve amor de mãe, nem de familiares, nem tampouco o apoio devido de quem tem a responsabilidade, a competência e os recursos públicos para identificar e apoiar estes seres humanos, que todos vemos a viver no lixo e do lixo.

Não teria esta mãe deixado o bebé no único modelo de "casa" ou "abrigo" que conheceu?
É que até o contentor do lixo é mais abrigado do que a única caixa de cartão que os sem-abrigo possuem para dormir na rua.
E nós passamos ao lado e fazemos o quê?

Afinal, a única casa/abrigo/mesa que estes seres humanos conheceram e conhecem é o ccontentor do lixo.

É tão fácil apontar o dedo e jugar, estando debaixo de um teto, com a mesa cheia e integrados num lar familiar confortável.

https://zedebaiao.com/e-tu-que-apontas-o-dedo-e-julgas-162268

terça-feira, 12 de novembro de 2019

As vespas-asiáticas vieram para ficar


Texto de Gonçalo Pereira Rosa
Fotografia de José Manuel Grosso-Silva
Ilustração de Anyforms

Em Setembro de 2011, dois investigadores portugueses confirmaram em Viana do Castelo o que já se temia na comunidade de entomólogos e apicultores portugueses: era uma questão de tempo até a vespa-asiática ser detectada em território português. José Manuel Grosso-Silva, então investigador do CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, e Miguel Maia, da Associação Apícola Entre Minho e Lima, de Vila Nova de Cerveira, confirmaram então a presença deste insecto invasor em quatro apiários do concelho minhoto, publicando a sua descoberta na revista Arquivos Entomolóxicos, no início do ano seguinte.

Poderá ter sido uma surpresa para a opinião pública, mas foi a confirmação de uma invasão prevista desde que, em 2004, a espécie Vespa velutina nigrithorax chegara ao porto de Bordéus, previsivelmente dissimulada num carregamento hortícola proveniente da China. “Presume-se que as primeiras vespas-asiáticas que chegaram a Portugal tenham vindo com um carregamento de madeira oriundo de França e descarregado no porto de Viana de Castelo”, comenta José Manuel Grosso-Silva, actual curador do Museu de História Natural e Ciência da Universidade do Porto.





Nos anos seguintes, perdeu-se uma oportunidade importante para conter a progressão da espécie invasora. “Teria sido possível então atrasar a progressão da espécie se as autoridades tivessem investido na captura das rainhas fundadoras na Primavera, pois cada fundadora capturada equivale a uma futura colónia a menos”, diz José Manuel Grosso-Silva. “Mata-se uma rainha-fundadora e previne-se o nascimento dos milhares de obreiras que a sua colónia vai ter. O problema é que a gestão da situação da vespa-asiática tem sido muito diferente e a incapacidade de compreensão e/ou implementação pelas autoridades da captura preventiva de fundadoras na Primavera é um enigma, tendo em conta que esta abordagem é advogada desde 2015. Não creio que exista, desta forma, hipótese de eliminar a vespa-asiática em Portugal.”

As colónias de vespas-asiáticas são anuais, mas essa duração não coincide com o ano civil – inicia-se na Primavera, no momento em que a rainha-fundadora acorda da hibernação e cria as primeiras obreiras, e prossegue até ao Inverno do ano seguinte. Nessa altura, a rainha morrerá e a colónia finda-se, desagregando-se. O ciclo de vida da espécie tem sido abundantemente descrito em França, mas existem diferenças significativas face ao que sucede em Portugal, sobretudo porque um Inverno menos rigoroso pode não matar todas as obreiras da colónia, permitindo que o vespeiro permaneça activo até à Primavera seguinte. “Mas os vespeiros nunca arrancam para um segundo ano de vida”, esclarece o investigador.



Ainda antes do fim do ciclo de vida do vespeiro, as novas rainhas-fundadoras abandonam o vespeiro onde nasceram, acasalam e hibernam em locais resguardados até ao Inverno seguinte. Os machos têm uma vida adulta muito curta, mas as fêmeas reprodutoras já fecundadas tornam-se novamente um risco, pois criarão uma nova geração de obreiras nas colónias que fundarão.

Entre Maio e Junho, a pequena colónia, constituída pela rainha e algumas dezenas de obreiras, abandona o ninho primário e inicia a construção do vespeiro secundário, muito maior. “Pode chegar a um metro de altura e meio de diâmetro”, explica o investigador. “Como é uma espécie tipicamente arborícola, constrói os vespeiros na copa das árvores, ancorados em bifurcações de ramos, embora também já tenham sido encontrados ninhos em varandas e janelas de edifícios, em cavidades no interior de muros e no solo. Mesmo assim, predominam os ninhos nas copas, normalmente a mais de dez metros de altura.” No Outono, a queda das folhas das árvores caducifólias facilita a visualização das colónias, o que potencia o número de avistamentos e de alarme público. Além da nidificação nas copas, há outra diferença importante nos ninhos da vespa invasora face aos da vespa autóctone: o orifício de entrada e saída de vespas é lateral nas estruturas da vespa-asiática, ao passo que, na Vespa crabro, o orifício situa-se por baixo quando este foi construído em suspensão.

Como se diferencia a vespa-asiática da congénere autóctone? Há diferenças importantes de coloração. O tórax da espécie invasora é praticamente negro, diferindo do tom castanho da Vespa crabro. O abdómen da vespa-asiática regista menos tons amarelos e é marcadamente castanho, ao passo que as patas são pretas e amarelas, divergindo do tom uniformemente acastanhado da vespa-europeia.

Entre Agosto e Outubro, regista-se o período mais grave no contacto da espécie invasora com a fauna autóctone. Duas a três mil vespas de cada vespeiro partem à caça de abelhas e outros insectos para alimentar as larvas, só interrompendo a actividade à noite ou com o frio e a chuva do Outono. O Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente da Guarda Nacional Republicana (SEPNA-GNR), as juntas de freguesia e o Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta têm registado um número crescente de avistamentos de vespeiros. A população tem sido alertada para não interagir com as vespas, nem se aproximar delas. “As vespas-asiáticas têm um comportamento mais defensivo e protector das colónias do que as nossas vespas. Surgem mais animais a defender o vespeiro e reagem de forma mais rápida ao que entendem como ameaça, aumentando as probabilidades de picadas.”

A comunicação social noticiou, nos dois últimos anos, casos de indivíduos que, após múltiplas picadas, faleceram. Em causa não está a toxicidade do veneno da vespa-asiática, pois quer na vespa autóctone quer na vespa invasora o veneno é menos alergénico do que o das abelhas. “Os casos graves ou mortais que se têm verificado relacionam-se, em princípio, com situações de picadas múltiplas na face ou cabeça, nos braços e nas mãos e a sua gravidade deve-se mais ao volume de veneno inoculado do que à toxicidade. Em muitos casos, porém, nem sequer se sabe com certeza se foram picadas de vespa ou abelha”, acrescenta José Manuel Grosso-Silva.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Cuando ya nada se espera personalmente exaltánte, mas se palpita y se sigue más acá de la conciencia, fieramente existiendo, ciegamente afirmado, como un pulso que golpea las tinieblas, cuando se miran de frente los vertiginosos ojos claros de la muerte, se dicen las verdades: las bárbaras, terribles, amorosas crueldades. Se dicen los poemas que ensanchan los pulmones de cuantos, asfixiados, piden ser, piden ritmo, piden ley para aquello que sienten excesivo. Con la velocidad del instinto, con el rayo del prodigio, como mágica evidencia, lo real se nos convierte en lo idéntico a sí mismo. Poesía para el pobre, poesía necesaria como el pan de cada día, como el aire que exigimos trece veces por minuto, para ser y en tanto somos dar un sí que glorifica. Porque vivimos a golpes, porque apenas si nos dejan decir que somos quien somos, nuestros cantares no pueden ser sin pecado un adorno. Estamos tocando el fondo. Maldigo la poesía concebida como un lujo cultural por los neutrales que, lavándose las manos, se desentienden y evaden. Maldigo la poesía de quien no toma partido hasta mancharse. Hago mías las faltas. Siento en mí a cuantos sufren y canto respirando. Canto, y canto, y cantando más allá de mis penas personales, me ensancho. Quisiera daros vida, provocar nuevos actos, y calculo por eso con técnica qué puedo. Me siento un ingeniero del verso y un obrero que trabaja con otros a España en sus aceros. Tal es mi poesía: poesía-herramienta a la vez que latido de lo unánime y ciego. Tal es, arma cargada de futuro expansivo con que te apunto al pecho. No es una poesía gota a gota pensada. No es un bello producto. No es un fruto perfecto. Es algo como el aire que todos respiramos y es el canto que espacia cuanto dentro llevamos. Son palabras que todos repetimos sintiendo como nuestras, y vuelan. Son más que lo mentado. Son lo más necesario: lo que no tiene nombre. Son gritos en el cielo, y en la tierra son actos.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019