Texto de Gonçalo Pereira Rosa
Fotografia de José Manuel Grosso-Silva
Ilustração de Anyforms
Em Setembro de 2011, dois investigadores portugueses confirmaram em Viana do Castelo o que já se temia na comunidade de entomólogos e apicultores portugueses: era uma questão de tempo até a vespa-asiática ser detectada em território português. José Manuel Grosso-Silva, então investigador do CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, e Miguel Maia, da Associação Apícola Entre Minho e Lima, de Vila Nova de Cerveira, confirmaram então a presença deste insecto invasor em quatro apiários do concelho minhoto, publicando a sua descoberta na revista Arquivos Entomolóxicos, no início do ano seguinte.
Poderá ter sido uma surpresa para a opinião pública, mas foi a confirmação de uma invasão prevista desde que, em 2004, a espécie Vespa velutina nigrithorax chegara ao porto de Bordéus, previsivelmente dissimulada num carregamento hortícola proveniente da China. “Presume-se que as primeiras vespas-asiáticas que chegaram a Portugal tenham vindo com um carregamento de madeira oriundo de França e descarregado no porto de Viana de Castelo”, comenta José Manuel Grosso-Silva, actual curador do Museu de História Natural e Ciência da Universidade do Porto.
Nos anos seguintes, perdeu-se uma oportunidade importante para conter a progressão da espécie invasora. “Teria sido possível então atrasar a progressão da espécie se as autoridades tivessem investido na captura das rainhas fundadoras na Primavera, pois cada fundadora capturada equivale a uma futura colónia a menos”, diz José Manuel Grosso-Silva. “Mata-se uma rainha-fundadora e previne-se o nascimento dos milhares de obreiras que a sua colónia vai ter. O problema é que a gestão da situação da vespa-asiática tem sido muito diferente e a incapacidade de compreensão e/ou implementação pelas autoridades da captura preventiva de fundadoras na Primavera é um enigma, tendo em conta que esta abordagem é advogada desde 2015. Não creio que exista, desta forma, hipótese de eliminar a vespa-asiática em Portugal.”
As colónias de vespas-asiáticas são anuais, mas essa duração não coincide com o ano civil – inicia-se na Primavera, no momento em que a rainha-fundadora acorda da hibernação e cria as primeiras obreiras, e prossegue até ao Inverno do ano seguinte. Nessa altura, a rainha morrerá e a colónia finda-se, desagregando-se. O ciclo de vida da espécie tem sido abundantemente descrito em França, mas existem diferenças significativas face ao que sucede em Portugal, sobretudo porque um Inverno menos rigoroso pode não matar todas as obreiras da colónia, permitindo que o vespeiro permaneça activo até à Primavera seguinte. “Mas os vespeiros nunca arrancam para um segundo ano de vida”, esclarece o investigador.
Ainda antes do fim do ciclo de vida do vespeiro, as novas rainhas-fundadoras abandonam o vespeiro onde nasceram, acasalam e hibernam em locais resguardados até ao Inverno seguinte. Os machos têm uma vida adulta muito curta, mas as fêmeas reprodutoras já fecundadas tornam-se novamente um risco, pois criarão uma nova geração de obreiras nas colónias que fundarão.
Entre Maio e Junho, a pequena colónia, constituída pela rainha e algumas dezenas de obreiras, abandona o ninho primário e inicia a construção do vespeiro secundário, muito maior. “Pode chegar a um metro de altura e meio de diâmetro”, explica o investigador. “Como é uma espécie tipicamente arborícola, constrói os vespeiros na copa das árvores, ancorados em bifurcações de ramos, embora também já tenham sido encontrados ninhos em varandas e janelas de edifícios, em cavidades no interior de muros e no solo. Mesmo assim, predominam os ninhos nas copas, normalmente a mais de dez metros de altura.” No Outono, a queda das folhas das árvores caducifólias facilita a visualização das colónias, o que potencia o número de avistamentos e de alarme público. Além da nidificação nas copas, há outra diferença importante nos ninhos da vespa invasora face aos da vespa autóctone: o orifício de entrada e saída de vespas é lateral nas estruturas da vespa-asiática, ao passo que, na Vespa crabro, o orifício situa-se por baixo quando este foi construído em suspensão.
Como se diferencia a vespa-asiática da congénere autóctone? Há diferenças importantes de coloração. O tórax da espécie invasora é praticamente negro, diferindo do tom castanho da Vespa crabro. O abdómen da vespa-asiática regista menos tons amarelos e é marcadamente castanho, ao passo que as patas são pretas e amarelas, divergindo do tom uniformemente acastanhado da vespa-europeia.
Entre Agosto e Outubro, regista-se o período mais grave no contacto da espécie invasora com a fauna autóctone. Duas a três mil vespas de cada vespeiro partem à caça de abelhas e outros insectos para alimentar as larvas, só interrompendo a actividade à noite ou com o frio e a chuva do Outono. O Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente da Guarda Nacional Republicana (SEPNA-GNR), as juntas de freguesia e o Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta têm registado um número crescente de avistamentos de vespeiros. A população tem sido alertada para não interagir com as vespas, nem se aproximar delas. “As vespas-asiáticas têm um comportamento mais defensivo e protector das colónias do que as nossas vespas. Surgem mais animais a defender o vespeiro e reagem de forma mais rápida ao que entendem como ameaça, aumentando as probabilidades de picadas.”
A comunicação social noticiou, nos dois últimos anos, casos de indivíduos que, após múltiplas picadas, faleceram. Em causa não está a toxicidade do veneno da vespa-asiática, pois quer na vespa autóctone quer na vespa invasora o veneno é menos alergénico do que o das abelhas. “Os casos graves ou mortais que se têm verificado relacionam-se, em princípio, com situações de picadas múltiplas na face ou cabeça, nos braços e nas mãos e a sua gravidade deve-se mais ao volume de veneno inoculado do que à toxicidade. Em muitos casos, porém, nem sequer se sabe com certeza se foram picadas de vespa ou abelha”, acrescenta José Manuel Grosso-Silva.
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