Há muito tempo que não ia a Lamas, aldeia situada a 18 km de Coimbra, terra de meu pai. Foi o adeus á minha tia Caçilda que me levou a passar por aquelas paisagens já tão distantes da minha memória. Mas, antes do adeus, tive um momento quase de encantamento, que me fez esquecer o poder da morte e me levou a acreditar na força maior da vida, na solidariedade genuína, porque são os gestos simples, como os que vou contar, que ainda me surpreendem e me fazem emocionar. Cheguei a Coimbra às 13H00 e perguntei quando saía o autocarro para Lamas.
- Às 13H25, disseram-me, - Linha 13.
Esperei.13H25,13H30, na linha 13 não aparecia o autocarro. Aproximei-me de um grupo de motoristas e fiz novamente a pergunta.
- É comigo, disse um deles, é aquele carro ali que vai para Pousafoles, e despediu-se dos outros. Segui-o, olhei á volta e não vi mais ninguém. Subi e instalei-me à vontade. Saímos da garagem, eu e o motorista. Depositei as flores no banco do lado, olhei para trás e pareceu-me um autocarro enorme. Foi apenas um momento de quietude porque na paragem seguinte, na portagem, os passageiros apareceram, ou melhor, as passageiras. Assim que o motorista abriu a porta, diz-lhe uma senhora:
- Tenho aqui uma encomenda para lhe entregar, para Pousafoles, a rapariga que a deixou aqui disse que a mãe está lá na paragem, á espera, leva?
- Não levo, disse o motorista. Gerou-se um pequeno alvoroço.
- Então mas a mãe está lá á espera, a moça não podia cá ficar. Ó Maria, viste a rapariga não viste?
- Vi, disse a Maria.
- É amiga da Cristina não é?
- É, são amigas coitadinhas, pois são. Começaram as pessoas a entrar e a senhora que tinha a encomenda perguntou da rua:
- Está aí alguém que vá para Pousafoles? Não ia ninguém.
- E agora? Não vou deixar a encomenda da rapariga na rua.
- Olha lá, disse a Maria, há uma senhora que entra mais além, que é de Pousafoles, posso levá-la e ela entrega-lhe.
- E se ela não está lá ?- disse a outra.
- Há-de estar, pois se ela veio de manhã na camioneta, há-de voltar.
- Pois é, disse a outra, e isto também não há-de ser nenhuma bomba, e espreitou para o saco. De facto não era uma bomba.
- Pois isto há-de fazer falta à senhora, se a filha cá veio entregar, continuava. O motorista esperava pacientemente pela decisão do mulherio, se levavam ou não a encomenda.
- Olha, diz a que estava na rua, se ela não estiver lá, guarda-a e dás-ma depois.
- Pois claro, logo lha entregas, disse a Maria. Estava decidido! A encomenda seguia viagem. E não é que duas paragens mais á frente a tal senhora que ia para Pousafoles estava lá ?! ( Nem os serviços secretos fariam um controlo tão bem feito).
- Eu não a conheço, disse a Maria, mas que ela é de Pousafoles é. A senhora entra e ela logo lhe pergunta:
-Você não é de Pousafoles?
- Sou sim senhora.
- Tenho aqui uma encomenda, que a filha mandou para a mãe, que está à espera na paragem, você não se importa de a levar?
- Eu não conheço a pessoa mas o que é preciso é que esteja lá alguém para a receber.
- Há-de estar, pois se a filha a veio trazer. . . custa-lhe muito?
- Não custa nada.
- Obrigada. Pronto! Estava entregue a encomenda e por momentos fez-se silêncio na camioneta, sossegaram aquelas almas solidárias que por nada deste mundo deixariam de entregar a bendita. Tão bonito, pensei eu, na minha cidade corro para o autocarro, que ainda está na paragem, mas com a porta fechada, bato no vidro para que o motorista abra, mas ele arranca sem olhar para mim. Porque será? Lá seguimos viagem e descobri coisas que ainda não tinha visto, porque também aqui o progresso vai chegando. Vi estradas novas, pontes, novos pinheiros, embora poucos, no lugar daqueles que foram queimados, mas o que mais me encantou foram as gentes, também elas diferentes. Numa paragem mais á frente entrou um senhor que disse:
- Boas tardes para todos, e um coro de vozes respondeu:
- Boa tarde.
- Um bilhete para o Monte, por favor. Sentou-se atrás do motorista e quando chegámos ao Monte disse:
- Não se importa de me deixar aqui? Não vem mais ninguém. A camioneta parou no sítio pedido, porque a paragem era um pouco mais abaixo e não dava tanto jeito subir a ladeira porque as pernas já não ajudavam.
- Muito obrigado, disse.
- De nada, respondeu o motorista.
- Façam boa viagem, ainda se ouviu da rua. De dentro responderam:
- Que Deus o acompanhe. Eu continuava maravilhada com aqueles pequenos diálogos, tão esquecidos, tão bonitos! Cheguei a Lamas. Na paragem, a minha tia Augusta esperava por mim. Desci. Dentro do autocarro apenas ficou a senhora que ia para Pousafoles, e eu tenho a certeza absoluta que a encomenda foi entregue ao destinatário. Gostaria muito de voltar a fazer a mesma viagem, não pelas razões que me levaram á terra do meu pai, e, dessa vez, se houver alguém que queira mandar uma encomenda para Lamas, não se preocupem, eu própria a entregarei.
Carla Caetano
3/10/06
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