Ontem, pude sentir, ao vivo, pela 1ª vez, o verdadeiro sentido de uma manifestação de solidariedade por aqueles que julgando que nada têm, possuem um instrumento ( a voz) capaz de mover outras vozes e outras consciências, em sua defesa.
Passo a explicar:
Perto do sítio onde trabalho, há um recanto, junto ao mar, com várias esplanadas e onde normalmente venho ler, na minha hora do almoço. A clientela é, nesta altura do ano, maioritariamente estrangeira e aproveitando as mentes abertas desta gente, os vários tocadores de verão vão dando uso à sua criatividade. Mas este dia foi diferente.
Entendeu a Autoridade Municipal que era preciso licença para tocar e queria, à força, que o tocador solitário que ali se encontrava, fosse embora dali.
Ele, agarrado à sua viola, cantava: So, so you think you can tell….
A polícia insistia para os acompanhar, coisa que ele não estava na disposição de fazer. A conversa começou a subir de tom e dizia o trovador: Não me calo! Só estou a cantar! E dedilhava a viola cantando: How I wish, how I wish you were here…. Está a ameaçar-me? Vai bater-me?
E o agente de autoridade que falava ( eles eram 4) dizia: baixa a voz que eu não sou surdo.
Nas esplanadas, à volta, começou a gerar-se uma certa movimentação de cadeiras e mesas, pessoas a levantarem-se, máquinas fotográficas prontas a disparar.
A troca de palavras tornou-se mais feroz e um dos agentes afastou-se para ir buscar reforços, enquanto os outros tentavam imobilizar o trovador. Uma saraivada de assobios inundou a esplanada e as máquinas começaram a disparar. O nosso homem debatia-se como um leão e continuava a dizer: Eu sou livre de cantar! Está outra vez a ameaçar-me? Ouviram? Vocês são minhas testemunhas, ele disse que aqui não é lugar para apanhar porrada. Eles vão bater-me. E cantava, So, so you think you can tell….
Nesse momento, sorri pela coragem do trovador, mas temendo por dentro, pelo que se ia seguir depois.
Vieram reforços, com algemas nas mãos, que tentaram agarrar o infeliz que se tinha deitado no chão, agarrado à viola e a gritar. Das esplanadas vieram vendavais de uuuuhs e Shame on you! CNN, CNN, e as máquinas a disparar. Os agentes tentavam imobilizar o trovador e outro afastava a multidão que o apoiava. Um senhor de cabelos brancos, de dedo espetado na cara do polícia dizia: You can´t do this, he is just playing, he is just singing. Nice songs, dizia outro , shame on you.
O agente dizia: Para trás! ( Nunca deve ter ouvido Pink Floyd)
Levaram o homem de rastos, ao som de assobiadelas e mais uuuuhs. Passados uns segundos a nossa vida voltou à normalidade, e eu acho que a manifestação teria sido completa, se tivéssemos resgatado o trovador das mãos da autoridade e cantado com ele:
…há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!
Olhei para o meu livro, que estava fechado, para ter a certeza que não estava a ler ficção. Não, não era, isto foi real, aconteceu ontem, em Cascais, na minha hora de almoço!
Mas, hoje, fiquei feliz! De volta ao meu posto de vigia, reparei que o trovador tinha voltado. Não havia sinais de violência. Ele tinha um sorriso no rosto e cantava para a sua plateia: .. I wonna know, Have you ever seen the rain, I wonna know…
E assim, voltou a estar tudo no seu devido lugar!
Carla
Outubro 2007
Passo a explicar:
Perto do sítio onde trabalho, há um recanto, junto ao mar, com várias esplanadas e onde normalmente venho ler, na minha hora do almoço. A clientela é, nesta altura do ano, maioritariamente estrangeira e aproveitando as mentes abertas desta gente, os vários tocadores de verão vão dando uso à sua criatividade. Mas este dia foi diferente.
Entendeu a Autoridade Municipal que era preciso licença para tocar e queria, à força, que o tocador solitário que ali se encontrava, fosse embora dali.
Ele, agarrado à sua viola, cantava: So, so you think you can tell….
A polícia insistia para os acompanhar, coisa que ele não estava na disposição de fazer. A conversa começou a subir de tom e dizia o trovador: Não me calo! Só estou a cantar! E dedilhava a viola cantando: How I wish, how I wish you were here…. Está a ameaçar-me? Vai bater-me?
E o agente de autoridade que falava ( eles eram 4) dizia: baixa a voz que eu não sou surdo.
Nas esplanadas, à volta, começou a gerar-se uma certa movimentação de cadeiras e mesas, pessoas a levantarem-se, máquinas fotográficas prontas a disparar.
A troca de palavras tornou-se mais feroz e um dos agentes afastou-se para ir buscar reforços, enquanto os outros tentavam imobilizar o trovador. Uma saraivada de assobios inundou a esplanada e as máquinas começaram a disparar. O nosso homem debatia-se como um leão e continuava a dizer: Eu sou livre de cantar! Está outra vez a ameaçar-me? Ouviram? Vocês são minhas testemunhas, ele disse que aqui não é lugar para apanhar porrada. Eles vão bater-me. E cantava, So, so you think you can tell….
Nesse momento, sorri pela coragem do trovador, mas temendo por dentro, pelo que se ia seguir depois.
Vieram reforços, com algemas nas mãos, que tentaram agarrar o infeliz que se tinha deitado no chão, agarrado à viola e a gritar. Das esplanadas vieram vendavais de uuuuhs e Shame on you! CNN, CNN, e as máquinas a disparar. Os agentes tentavam imobilizar o trovador e outro afastava a multidão que o apoiava. Um senhor de cabelos brancos, de dedo espetado na cara do polícia dizia: You can´t do this, he is just playing, he is just singing. Nice songs, dizia outro , shame on you.
O agente dizia: Para trás! ( Nunca deve ter ouvido Pink Floyd)
Levaram o homem de rastos, ao som de assobiadelas e mais uuuuhs. Passados uns segundos a nossa vida voltou à normalidade, e eu acho que a manifestação teria sido completa, se tivéssemos resgatado o trovador das mãos da autoridade e cantado com ele:
…há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!
Olhei para o meu livro, que estava fechado, para ter a certeza que não estava a ler ficção. Não, não era, isto foi real, aconteceu ontem, em Cascais, na minha hora de almoço!
Mas, hoje, fiquei feliz! De volta ao meu posto de vigia, reparei que o trovador tinha voltado. Não havia sinais de violência. Ele tinha um sorriso no rosto e cantava para a sua plateia: .. I wonna know, Have you ever seen the rain, I wonna know…
E assim, voltou a estar tudo no seu devido lugar!
Carla
Outubro 2007
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