sexta-feira, 5 de maio de 2017

FÁTIMA E AS "APARIÇÕES"



por Carlos Braga

À medida que se aproxima o centenário das "aparições", figuras gradas da Igreja Católica resolveram falar do assunto. Disse o padre e professor universitário Anselmo Borges: "É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima". Se tivesse aparecido - acrescento eu - talvez dissesse, em bom português: "Eu sou a Vossa Senhora" e não "Eu sou a Nossa Senhora".

Já o bispo D. Carlos Azevedo disse: "Fátima foi visão mística. Maria não vem do céu por aí abaixo". E acrescentou: "Nossa Senhora não aprendeu português para falar com Lúcia".


Ficámos assim a saber que Maria - erigida intermediária pelos católicos portugueses à revelia da sua Igreja, para quem apenas Cristo é mediador entre Deus e os homens - não caiu do céu aos trambolhões nem alguma vez aterrou na célebre azinheira. Também não será poliglota, pois se não aprendeu português para falar com Lúcia, também não terá aprendido francês para falar em Lourdes, nem polaco para se exprimir em Czestochowa.

De modo que, talvez o que mais se aproxime nos dias de hoje de um milagre, mesmo que só para benefício de alguns (é sabido como os milagres diminuíram consideravelmente da Idade Média até aos nossos dias...) seja a tolerância de ponto concedida por um governo laico de um Estado laico. Ou talvez o milagre possa ocorrer ainda com o terço gigante concebido pela artista plástica Joana Vasconcelos, numa linha coerente de continuidade com a produção de outras peças gigantes: um sapato, um bule, um galo de Barcelos, ou até um candelabro concebido com recurso a tampões higiénicos.

Aos crentes de Fátima pouco importa que se lhes diga que à medida que as obras de Joana Vasconcelos crescem a sua arte encolhe. Garantido é que quando os LEDS deste avantajado terço de 26 metros iluminarem a noite, derramando sobre os fiéis aquilo a que poderíamos chamar uma versão pós-moderna da luz do Espírito Santo no século XXI, um charco de luz vai inundar o santuário do Céu à Terra.

E aí, nenhum peregrino envolto em fervor místico se atreve a questionar se Fátima foi ou não uma montagem do clero de Ourém. Como nenhum peregrino se preocupa com o facto de o milagre que abriu caminho à canonização dos pastorinhos não poder ser confirmado por fontes independentes e credíveis, porque não se sabe quem é a criança que foi alvo de uma cura inexplicável, nem o local exacto onde tal aconteceu, nem os médicos ou o hospital onde foi socorrida.

A religião tem realmente razões que a razão desconhece. Afinal, perante o Bezerro de Ouro todos nós somos pagãos.
Foto de Carlos Braga.

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