domingo, 21 de junho de 2020

“Se voltarmos à normalidade é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas”, escreve Ailton Krenak



Em novo livro, um dos mais importantes líderes indígenas do país fala sobre a pandemia do coronavírus, a "necropolítica" de Bolsonaro e os ensinamentos que podemos tirar desta experiência



Ailton Krenak na Flip de 2019. Foto: Walter Craveiro/ Divulgação

O mundo está agora numa suspensão. E não sei se vamos sair dessa experiência da mesma maneira que entramos. É como um anzol nos puxando para a consciência. Um tranco para olharmos para o que realmente importa”, escreve Ailton Krenak em O Amanhã Não está à Venda (disponível para download gratuito). Um dos mais importantes líderes indígenas brasileiros da atualidade – famoso por sua marcante fala na Assembleia Constituinte de 1987 e por seu intenso ativismo socioambiental -, Krenak acaba de lançar pela Companhia das Letras este pequeno livro com reflexões sobre os tempos de pandemia da Covid-19 e o mundo que virá a seguir.

“O presidente da República disse outro dia que brasileiros mergulham no esgoto e não acontece nada. O que vemos nesse homem é o exercício da necropolítica, uma decisão de morte. É uma mentalidade doente que está dominando o mundo. E temos agora esse vírus, um organismo do planeta, respondendo a esse pensamento doentio dos humanos com um ataque à forma de vida insustentável que adotamos por livre escolha, essa fantástica liberdade que todos adoram reivindicar, mas ninguém se pergunta qual o seu preço”, afirma Krenak – autor também do livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo (2019) – em outro trecho do texto.

O autor, que no momento está isolado na aldeia Krenak, em uma reserva de quatro hectares em Minas Gerais, questiona, portanto, a ideia de “volta à normalidade”, ressaltando que ela não é nem possível nem desejável. “O que estamos vivendo pode ser a obra de uma mãe amorosa que decidiu fazer o filho calar a boca pelo menos por instante. Não porque não goste dele, mas por querer lhe ensinar alguma coisa. ‘Filho, silêncio’.” E, mais à frente, ele arremata: “Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro. (…) Seria como se converter ao negacionismo, aceitar que a Terra é plana e que devemos seguir nos devorando. Aí, sim, teremos provado que a humanidade é uma mentira”.

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