terça-feira, 15 de novembro de 2022

A AGENDA

 


Pedro Girão



A agenda existe: quando há pessoas que ocupam edifícios públicos para protestar contra o uso de combustíveis fósseis (esses mesmos que lhes permitem viver da forma que vivem), elas preenchem as primeiras páginas, os editoriais, os telejornais, e chamam-lhes “activistas climáticos”.
Pelo contrário, quando na mesma cidade há pessoas que se manifestam contra as restrições da liberdade que, através da revisão constitucional, irão ser feitas por PS, PSD e Chega, com o previsível apoio de todos os outros (todos diferentes, todos iguais), são totalmente ignoradas pelos media e chamam-lhes “negacionistas”.
Sim, o clima está na moda Outono-Inverno deste ano. Está nas montras, ao lado dos casacos beiges e dos cachecóis, entre o futebol e os escândalos. Olho as vitrinas mediáticas da estação… Também lá estão os trabalhadores dos estádios do Qatar, que morreram quando não estavam na moda e ninguém falava deles.
Não, a liberdade não está na moda nem nos desfiles mediáticos, já há alguns anos. Os direitos individuais são incómodos para os poderosos. A liberdade de expressão é uma coisa perigosíssima. (O Facebook é incómodo e tem os dias contados.) O 25 de Abril não está na moda (ele morreu, sim), porque celebrámos nessa altura o fim dos poderosos e a liberdade de todos nós, mas agora há uma nova classe de poderosos, igualmente acima da Lei, a quem a liberdade incomoda: os fascistas de então deram lugar aos corruptos de agora.
A agenda é selectiva, a agenda é previsível. As montras evitam mostrar o escândalo das moedas virtuais que implodem, fazendo desaparecer biliões num piscar de olhos, essas mesmas moedas que há dias eram publicitadas como inovadoras e seguras pelo World Economic Forum, o tal de Davos (um local que em boa verdade se devia chamar Tíravos). Esse mesmo fórum que ainda este ano teve como temas principais “as alterações climáticas” (a sério?!…) e “um capitalismo coeso e sustentável” - o paradoxo fundamental escondido por trás da agenda.
A pandemia já não está na agenda (até ver…). Os mortos por falta de assistência por causa da pandemia não estão mesmo nada na agenda, nem na moda (definitivamente). O racismo e o anti-racismo estão na agenda, tal como as minorias em geral - uma forma de manter fora da agenda os reais problemas da maioria. O futebol está sempre na agenda, claro; conheço-o bem: faz parte da classe dos anestésicos gerais.
Enfim, tal como as cores e os padrões dos tecidos, os temas mediáticos da moda sucedem-se ininterruptamente, hipnoticamente, de tal forma que por vezes a agenda parece ter o seu quê de inexplicável. Mas, sabem?, isso é apenas porque o dinheiro que faz a agenda é tanto, mas tanto, que não tem explicação.



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