domingo, 19 de julho de 2015

JORNALISMO, ÉTICA E NEUTRALIDADE


Carlos Braga

Diz o jornalista Bernardo Ferrão que muitos vêem, em Sampaio da Nóvoa (e neles certamente se inclui e revê) um homem carregado de "abrilismos vazios". Era bom que nos explicasse o que é que isto significa. E, já agora - acreditemos na dialéctica - que nos dissesse também o que significa, para si, a expressão "abrilismos cheios". Esta lengalenga dos "abrilismos", dos "abrilinos" e dos que em vez de dizerem 25 de Abril preferem dizer vinte e cinco barra quatro (25/4) é uma linguagem velha e revelha, típica da retórica da direita política, nomeadamente da sua ala mais conservadora.

Diz o jornalista Henrique Monteiro que odeia os que sublinham que o ministro das finanças alemão "anda numa cadeira de rodas", porque "nunca o fariam se ele fosse de esquerda". É pena que não nos diga como se comportaria a direita caso Schauble fosse de esquerda. E como não o diz, perpassa a ideia que conceitos como o de humanidade, ou o de tolerância, são atributos da direita. Assim se inverte a conhecida argumentação estalinista da pretensa "superioridade moral" da esquerda.

De Varoufakis (outro perigoso esquerdista...) diz ser alguém "cujo ego monumental lhe tolhe a lucidez". Olha quem fala! Quem assim perora é alguém que, há uns tempos, a pretexto de apoucar José Sócrates, resolveu encetar uma atrevida incursão na moral kantiana. Não hesitou mesmo em destapar alguns dos seus habituais frasquinhos de sabença, donde retirou algumas tiradas sobre Kant (do tipo "imperativo categórico" e outras que tais, assim como quem quer vincar bem a diferença entre quem sabe e quem julga que sabe).

Estes dois exemplos mostram bem como, a coberto duma enganadora neutralidade e objectividade jornalísticas, se proferem raciocínios vincadamente ideológicos. Mesmo quando se trata de raciocínios com a profundidade de uma tábua rasa.

Falamos de um tipo de jornalismo que utiliza de forma acrítica o discurso dos políticos e que por isso não passa de uma caixa de ressonância desses mesmos discursos. António Guerreiro retratou acertadamente essa forma de fazer jornalismo, nestas avisadas palavras: "jornalistas e políticos (...) pertencem à mesma classe, funcionam segundo a mesma lógica e falam a mesma linguagem".

São jornalistas. Umas vezes deselegantes e outras intolerantes. Intolerantes que lêem Kant, bem entendido.

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