domingo, 22 de outubro de 2017


Ivar Corceiro

A Minha Mãe E Um Saco De Tempo

Perdi a conta às más notícias que dei à minha mãe durante a minha vida. Dei algumas boas também, mas por qualquer motivo sinto que dei mais más do que boas. Uma delas foi que tinha perdido o emprego e estava sem dinheiro. Dessa vez, como em todas as outras, a primeira resposta da minha mãe foi sorrir e dizer que tudo tem solução.


A minha mãe não sabe, mas nesses momentos ensinou-me sempre que um sorriso pode salvar uma vida. É que uma vida inteira pode ter milhões e milhões de segundos, mas tem que se salvar em cada um que passa.

Foi também assim que aprendi a parar no tempo, esse monstro invisível que me estava a matar. Foi o tempo de estudar, o tempo de casar, o tempo de constituir família, o tempo de ter um emprego tão bom quanto o dos outros, o tempo de ter um carro e o tempo de ter uma casa. Foram vários tempos com tempo para tudo menos para viver.

E então parei e meti esse tempo todo num saco.

Andei por aí. Do que me lembro é de ter lido um livro no topo duma montanha, de ter ouvido uma música numa praia e de me ter apaixonado num jardim. Às vezes com dinheiro, outras vezes sem, mas sempre com o tempo todo só para mim. Ainda hoje vivo assim, com os outros a viverem mais depressa do que eu, e lembro-me sempre da minha mãe a sorrir e a dizer que tudo tem solução.

Talvez não haja outro truque nesta vida do que viver sem pressas, mas a pressa de viver não nos deixa percebê-lo. Digo-o eu agora, que quando espreito o saco do meu tempo passado reparo naquilo que não reparei quando o vivi.

Foi a minha mãe que mo ensinou.

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