quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Editores de uma das principais revistas médicas mundiais criticam farmacêuticas de obscurantismo e falta de transparência








por Pedro Almeida Vieira // janeiro 20, 2022



CATEGORIA: ACTUAL


TEMAS: SAÚDE, DESTAQUE, INTERNACIONAL


Editorial de uma das prestigiadas revistas médicas do Mundo – a BMJ – apela para a necessidade imperiosa de serem disponibilizados dados brutos de fármacos contra a covid-19 para escrutínio independente, recordando o escândalo do Tamiflu há 13 anos. Farmacêuticas e entidades reguladores tentam adiar esse acto.



Três editores da prestigiada revista científica BMJ – Peter Doshi, Fiona Godlee e Kamran Abbasi – apelaram ontem para a urgência de se disponibilizarem os dados brutos relacionados com as vacinas contra a covid-19, receando que se esteja a repetir a situação de fraude ocorrida com o Tamiflu – um antiviral produzido pela Roche contra a pandemia da gripe de 2009, que mais tarde se apurou afinal ter resultados decepcionantes.

Num editorial extremamente críticos, os três cientistas criticam o facto de a Pfizer não mostrar disponibilidade para facultar os dados em bruto dos ensaios antes de Maio de 2025, acusando também todas as farmacêuticas de conluio em dificultar o acesso à informação a investigadores independentes. A Moderna também já informou que apenas libertará dados em bruto a partir de finais de Outubro deste ano. No entanto, esses dados estarão apenas disponíveis “mediante solicitação e sujeitos a revisão assim que o estudo estiver concluído”. No caso da farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca, a disponibilidade começou, na teoria no início de 2021, mas os editores da BMJ receiam que “na verdade, a obtenção de dados pode ser lenta”, acrescentando que o site da empresa explica que “os prazos variam de acordo com a solicitação e podem levar até um ano após o envio completo da solicitação”.
Tamiflu foi um antivirtal para combater a pandemia de 2009, que afinal se mostrou eficaz.

Também os ensaios de outros fármacos associados à luta contra a covid-19 sofrem de similares males. Os relatórios publicados do estudo de fase III da farmacêutica Regeneron sobre os anticorpos monoclonais REGEN-COV afirmam que não serão disponibilizados quaisquer dados.

No caso do polémico remdesivir, comercializado pela Gilead, os editores da BMJ referem que as autoridades sanitárias norte-americanas, que co-financiaram o estudo sobre os seus efeitos, criaram um novo portal para compartilhar dados, mas de conteúdos muito limitados.

Em suma, como avisam estes investigadores, só restam as publicações científicas de autores associados às farmacêuticas, e acrescentam ser isto preocupante para “os participantes dos estudos, pesquisadores, médicos, editores de periódicos, formuladores de políticas e o público”. E avisam também que esta prática de não divulgação dos dados em bruto com a aprovação dos artigos científico, contrariando o que é norma em Ciência, se deveu a pressões derivadas da emergência pandémica. “Os periódicos que publicaram esses estudos primários podem argumentar que enfrentaram um dilema embaraçoso, entre disponibilizar rapidamente os resultados resumidos e defender os melhores valores éticos que apoiam o acesso oportuno aos dados subjacentes”, referem os editores da BMJ, para em seguida sentenciarem: “Em nossa opinião, não há dilema; os dados anonimizados de participantes individuais de ensaios clínicos devem ser disponibilizados para escrutínio independente.”

Estes responsáveis científicos da BMJ criticam também a postura da Food and Drug Administration – agência que regula os medicamentos nos Estados Unidos – que, após uma decisão judicial ao abrigo da liberdade de informação, apenas tem estado a libertar “ 500 páginas por mês” sobre os ensaios da Pfizer, ritmo que a manter-se levará décadas para ser concluído.

Peter Doshi, Fiona Godlee e Kamran Abbasi recordam ainda o caso do Tamiflu em que os se gastara vários mil milhões de euros que afinal “não demonstraram reduzir o risco de complicações, internamentos hospitalares ou morte”, acrescentando que “a maioria dos ensaios que sustentaram a aprovação regulatória e o armazenamento governamental de oseltamivir (Tamiflu) foram patrocinados pelo fabricante; a maioria era inédita, os que foram publicados foram escritos por autores pagos pelo fabricante, as pessoas listadas como autores principais não tinham acesso aos dados brutos, e os académicos que solicitaram acesso aos dados para análise independente não receberam nada”.

Editorial integral da BMJ

Sem comentários: