terça-feira, 3 de outubro de 2023

Tentando juntar as peças do puzzle, para entender


Ángeles Maestro[*]

- Imagem: Controle e certificados.

Durante a pandemia, num muro frente à minha casa, alguém escreveu com letras muito grandes: “TENTA ENTENDER ALGO”. De facto, a vontade de tentar compreender a lógica, as causas dos acontecimentos, sobretudo aqueles que nos sacodem com força inusitada, é provavelmente o que melhor define a essência humana.
Para compreender o mundo que nos cerca, condição indispensável para poder tomar decisões adequadas que permitam resolver nossos problemas, não há instrumento mais útil do que a análise marxista. O desenvolvimento do sistema edificado sobre a exploração do trabalho humano revela como a precarização generalizada das condições laborais e a destruição maciça de empresas é a única resposta possível do capitalismo em crise, diante da impossibilidade de manter o crescimento da taxa de lucro.
A centralização e concentração de capital é uma constante histórica do desenvolvimento capitalista, acelerada em cada episódio de crise. É acompanhada pela substituição progressiva de força de trabalho humana por máquinas, o que implica a redução constante da produção de valor. Como demonstrou Marx, só o trabalho do ser humano produz mais-valia e a sua apropriação por parte de quem detenha a propriedade privada dos meios de produção é a coluna vertebral do capitalismo.
Esse processo de substituição de capital vivo, o trabalho humano, por capital morto, as máquinas, tem um limite objetivo, material, chegado ao qual a tendência ao crescimento da taxa de lucro se detém e as relações sociais capitalistas de produção começam a ter problemas para reproduzirem-se.
Neste momento, os centros dirigentes da oligarquia mundial – cujo centro é o Fórum Económico Mundial de Davos – perante a evidência de que nas condições atuais o capitalismo é insustentável, pretendem executar mudanças drásticas. Chamam-nas de “Great Reset” (Grande Reinicialização), uma modificação geral das regras do jogo que garanta às elites do imperialismo euro-estado-unidense manter o controle do poder.
Os instrumentos da chamada IV Revolução Industrial – robótica, nanotecnologia, neuro-ciência, inteligência artificial, biotecnologia, etc – que se estivessem nas mãos da classe trabalhadora permitiriam reduzir significativamente a jornada laboral e substituir por máquinas os trabalhos mais penosos, permitem à burguesia executar uma destruição maciça de empresas e de postos de trabalho que estimam superior a 40%, fundamentalmente nos países mais industrializados. A inteligência artificial inserida na lógica da mercadoria, contra a humanidade, é na realidade um empreendimento “tecnológico” ao serviço das mesmas ofensivas económicas e políticas que tentam sustentar a esperança de sobrevivência do mercado mundial.
Esta destruição maciça de emprego manteria só os postos de trabalho de pessoal altamente qualificado e em detrimento dos sectores mais precarizados, nos quais predominam as mulheres e a classe trabalhadora imigrante. Além disso, nas condições em que a resistência dos trabalhadores está enormemente fragmentada e debilitada, a ofensiva é acompanhada pela precarização crescente e pela privatização e degradação dos serviços públicos e das pensões.
A exploração capitalista, exacerbada nas condições atuais, aliena o ser humano, coisifica-o e converte-o, nas palavras de Marx, na “mais miserável de todas as mercadorias”. E não se trata só do roubo no salário da mais-valia que a classe trabalhadora produz. A miséria, a individualização e a competição esmagam a dignidade, a criatividade, a cooperação inerente ao desenvolvimento da humanidade e, em definitivo, a essência humana. Este processo de desumanização exprime-se no aumento sem precedentes das doenças mentais e do suicídio, como gritos de angústia e como sintomas inocultáveis do mal-estar social que o capitalismo gera.
A resposta do poder burguês, diante da sua incapacidade estrutural para resolver os problemas da imensa maioria, é a indução ao consumo maciço de medicamentos, como os ansiolíticos e anti-depressivos, ou de drogas cada vez mais aniquiladoras, especialmente entre a juventude, como o fentanil, para que o desespero diante da falta de expectativas não se transforme em revolta social.
As desigualdades sociais e a miséria de milhões de pessoas atingem níveis crescentes. Alguns dados são ilustrativos da violência social quotidiana produzida por esta situação: uma criatura com menos de 10 anos morre de fome a cada cinco segundos; 57 mil pessoas morrem a cada dia por causas perfeitamente preveníveis; 500 mil mulheres morrem a cada ano ao dar a luz, a maioria delas devido a uma prolongada falta de alimentos durante a gravidez, e mais de mil milhões, dos oito mil milhões de habitantes do planeta, sofrem desnutrição grave e permanente e mutilações. Tudo isso quando hoje existem as capacidades técnicas para alimentar o dobro da população mundial.
Frente a isto, a ideologia dominante, que é a ideologia das classes dominantes, reproduz através dos media o velho discurso catastrofista de Malthus de que o crescimento demográfico é insustentável.
O controle absoluto dos meios de informação e de criação de opinião é a ferramenta do poder mediante a qual se inocula o medo como mecanismo de controle social. Ao mesmo tempo, o debilitamento do movimento dos trabalhadores, a destruição da consciência de classe e do poder da classe trabalhadora, permitiram estabelecer a crença de que, apesar do afundamento das condições de vida do proletariado, não há alternativa possível ao capitalismo.
Durante a pandemia Covid, os métodos de terrorismo de Estado apoiados pelas forças armadas e policiais, com o encerramento de empresas, o confinamento, a compulsão à vacinação com fármacos experimentais, o passe Covid, a máscara obrigatória, etc, permitiram executar – sem sustentação científica alguma – o maior experimento de controle social jamais realizado em tempos de paz. Os grandes centros de poder, financiados pela indústria farmacêutica, como a OMS ou do medicamento (a EMA da UE e a FDA dos EUA), com o apoio dos governos foram capazes de estender o terror. A censura de opiniões crítica, inclusive dos cientistas mais reconhecidos, e o suborno de políticos, de autoridades sanitárias e de meios de comunicação, sobretudo nos países centrais do capitalismo, estendeu-se sem resistência alguma da parte dos partidos de esquerda e dos sindicatos [1].
Essa estratégia, que conseguiu apagar de uma penada direitos e liberdades durante a pandemia, pretende perpetuar-se instaurando mecanismos ditatoriais, através de disposições jurídicas, como as leis de Segurança Nacional, que estão a ser aprovadas pelos Parlamentos de todos os países membros da UE. Emergências sanitárias, climáticas, alimentares, financeiras, económicas ou militares, declaradas – segundo seu critério – pelos governos respectivos permitirão não só reeditar as normas instauradas durante o Covid como impor a toda a população prestações obrigatórias, o controle absoluto dos meios de comunicação ou a eliminação das normas de transparência em vigor nas administrações públicas.
O convencimento de que a ofensiva da oligarquia imperialista euro-estado-unidense, da que faz parte a guerra prolongada da NATO contra a Rússia e a China, a desindustrialização da UE, a fascistização dos países europeus – que implica o aumento dos gastos militares para financiar e armar os nazis da Ucrânia – coloca à classe trabalhadora europeia e mundial diante de reptos semelhantes aos que desencadearam a II Guerra Mundial.
A oligarquia capitalista não tem outra alternativa senão a destruição, a fascistização e a guerra.
A reconstrução do poder organizado do proletariado, da sua independência de classe frente a burguesia e do caráter internacional da sua luta exigem hoje abordar a tarefa histórica de reedificar o partido comunista [2]. A única forma de evitar que as previsíveis revolta sociais desemboquem em massacres é estabelecer a necessidade iniludível da conquista do poder político pela classe trabalhadora e a construção do socialismo. Trata-se hoje não só da emancipação do proletariado como da esperança de toda a humanidade.
[1] A Coordenação de Núcleos Comunistas, praticamente em solitário no Estado espanhol, denunciou documentadamente a estratégia de controle social executada com o pretexto do Covid.
[2] http://cnc2022.files.wordpress.com/.../el-covid-como...

02/Outubro/2023
Da mesma autora:
A encruzilhada russa
As mudanças na situação internacional e a crítica da caracterização da Rússia como país imperialista
Um elefante no quarto: O caso da pandemia de Covid
A OMS e as pandemias – a gripe A 2.0
O horror petrificado num gráfico
"As curvas de mortalidade são impressionantes depois da vacinação"
Políticas de exacerbação do medo e censura na gestão do Covid
O Covid como desculpa e as responsabilidades das organizações comunistas na “grande reinicialização” do capitalismo
Consentimento informado para receber a vacina Covid?
[*] Médica, Técnica Superior de Saúde Pública e militante da Coordenação de Núcleos Comunista (Espanha).
Este artigo encontra-se em resistir.info
03/Out/23


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