terça-feira, 30 de novembro de 2021


Ana Rita Dias


30 de Novembro 2021, Viana do Castelo.
 
Queridos filhos, Tomás e Joana:

Vocês já não se devem lembrar mas quando vocês nasceram e nos anos seguintes, as pessoas não andavam com máscaras na cara. Era habitual cumprimentar-se um familiar ou um amigo com dois beijos na cara ou com um abraço, sem se pensar se estávamos ou não demasiado perto da respiração do outro e sem receios de apanhar vírus que sempre existiram e continuarão a existir. Vocês já devem ter reparado que eu continuo a fazê-lo mas devem achar que é uma coisa da mãe e de quem se dá com ela e não um hábito social que passou de estar completamente enraizado para passar a não existir, de um momento para o outro.
Vocês estão a crescer num mundo em que vos pedem sistematicamente para desinfectar as mãos à entrada de alguns sítios, em que vos dizem quais as setas que devem seguir ao entrar e sair de algum local, fazendo-nos parecer marionetas tontas que andam em círculos, e onde até existem máquinas para medir a vossa temperatura ou para serem borrifados com uma espécie de vapor que vocês acham muito divertido por parecer uma máquina de ficção científica.
Imagino que por vezes vocês não percebam porque é que eu faço má cara nessas situações e porque é que evito ceder a elas, estragando a brincadeira, mas um dia vocês vão perceber que eu fiz tudo o que estava ao meu alcance para não deixar que pessoas consumidas pelo medo decidissem sobre a vossa vida, a vossa saúde mental, a vossa felicidade, a vossa liberdade de serem simplesmente crianças.
Sinto-me feliz quando vejo que tenho conseguido poupar-vos a uma série de coisas. Vocês metem as mãos pelos corrimãos, deitam-se a brincar em qualquer chão, tocam nos botões dos elevadores, nunca andam de máscara, têm brincado com os filhos dos meus amigos sem qualquer tipo de constrangimento e brincam com os amigos da escola sem limitações de espaço ou de condutas.
Tudo começou quando quiseram que ficássemos fechados em casa, o primeiro confinamento, dizendo que era só por duas semanas para não sobrecarregar os hospitais mas rapidamente a mãe sentiu que isto tinha vindo para ficar e que teria de ser eu, dentro das limitações que nos foram impostas, a decidir sobre como iríamos viver a nossa vida, mesmo que contra uma maioria que julgava quem fizesse diferente da moralidade que nos estava a ser imposta. A mãe intuiu que isto já não era uma questão de saúde pública mas sim de política, de poder e para além das nossas fronteiras, em que a nível mundial algo muito maior que nós estava a ser orquestrado. E continua a estar.
Naqueles meses, saí muito com vocês, Andámos os três sozinhos horas a fio pelas praias e pela natureza. Vocês brincaram muito fora de casa, a mãe não cumpriu os vossos programas escolares e estudou ao nosso ritmo, por estar absolutamente convicta que era mais importante dar-vos dias de qualidade do que dias de inferno fechados em casa em frente a um computador.
Espero que um dia, já mais crescidos, quando vocês lerem esta carta, que eu vou imprimir e guardar no nosso baú especial, vocês já saibam o que é pular e cantar num concerto de rock, num grande aglomerado com outras pessoas a fazer o mesmo, como eu já fiz, e que não tenham de estar a ouvir música ao vivo, sentados em cadeiras com distâncias de um metro e meio e de máscara na cara, como tem estado a acontecer agora. Espero também que possam viajar ou ir a um restaurante sem que verifiquem o vosso cartão digital sanitário que comprove que vocês cumprem à risca, todos os anos, as vacinas que vos coagem a fazer e tudo o mais que infelizmente sinto que há-de vir. Espero estar errada e que isto não passe tudo de um pesadelo de pessoas que temporariamente esqueceram-se de viver em função de não quererem morrer, a única coisa certa que têm.
Sabem que hoje, em Novembro de 2021, a vossa mãe não pode fazer algo tão simples como ir a um estádio de futebol ou a uma discoteca. Tudo porque era suposto eu fazer duas doses de uma vacina mas só fiz uma porque fiquei mais de um mês com dores musculares e decidi, em consciência não fazer a segunda, sobretudo quando já se prevê que isto vai continuar, que vão querer que continuemos a ser injectados de x em x tempo. As coisas podem chegar ao ponto de eu não poder entrar num supermercado, há sítios em que já é assim.
Eu podia ter cedido, é verdade, era só mais um bocadinho, mas tem sido sempre assim, só mais um bocadinho. E esse bocadinho é interminável enquanto as pessoas não se erguerem. Quando comecei a ouvir notícias de que a seguir iam querer vacinar vocês, mesmo sabendo-se que não é possível uma imunidade de grupo e que vocês não têm riscos associados a este vírus, percebi claramente onde estava o meu limite e parei coma lógica de ser só mais um bocadinho.
A mãe vacinou-vos com todas as vacinas que eram aconselhadas à vossa saúde mas esta não é, são muitos os especialistas que o afirmam e muitos o que não o fazem por medo, mas querem obrigar-nos e eu quero que vocês saibam que eu vou resistir até onde puder para ter o direito de decidir o que faço ou não faço ao meu corpo e ao vosso.
Os nossos antepassados, os vossos bisavós e avós, lutaram muito para se conquistar uma liberdade que a maioria da população não se está a importar de entregar de mão beijada. Sei que essa maioria acha que está a fazer o melhor, sei que não imaginam que isto possa piorar muito mais e que a liberdade que eles estão a concordar que se tire a uns, será a mesma da qual eles irão ser privados no futuro.
Mas escrevo isto porque quero que vocês saibam, esteja eu ainda nesta vida ou não quando lerem, que sou uma das pessoas que está sempre a tentar remar contra esta maré. Que sou uma das pessoas que está a tentar lutar pelos vossos direitos e que sou uma das pessoas que prefere a morte à vida que é totalmente regulamentada e monitorizada por pessoas que abusam do poder que têm e que querem fazer de nós umas ovelhas, um rebanho ordenado que a cada dia que passa ou a cada inverno que surge, tem mais uma regra, mais uma limitação, mais uma coisa que pode ou não fazer, em função de um vírus que não mata mais que muitas outras doenças.
Quero também que saibam que depois de uma fase em que preferi emanar paz e não entrar em lutas, percebi que não podia continuar a fazê-lo. E é por isso que daqui a 4 dias vou estar presente numa manifestação, que calculo que tenha poucas pessoas porque em Portugal somos muito passivos, resignados e conformistas, para ir à rua dizer que não quero esta vida para vocês. Quero que vos deixem em paz, que vos deixem ser crianças.
Espero que um dia tenham orgulho em mim e que saibam que no meio de todos os meus defeitos, há algo de que não abdico: contribuir para o vosso futuro, a vossa liberdade e felicidade.

Amo-vos muito. Amo-vos tanto.

(Foto tirada na altura do primeiro confinamento).





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